“Construir uma freguesia melhor”

A Junta de Freguesia da Misericórdia (centro histórico de Lisboa) resulta da agregação das antigas freguesias da Encarnação, Mercês, Santa Catarina e São Paulo. O processo de gentrificação, a mobilidade pedonal e a videovigilância constituem o foco dos trabalhos do executivo liderado pela autarca Carla Madeira.

A multiplicidade de cerca de 11 mil habitantes exige uma gestão rigorosa e atenta?

A reorganização administrativa da cidade de Lisboa, realizada em 2012, veio criar novos limites administrativos territoriais e implementar um novo modelo de gestão, criando desta forma uma nova visão da cidade de Lisboa. Com esta reforma, a gestão da freguesia passou a ser mais exigente e complexo, com mais competências e recursos técnicos e humanos, e permitiu às freguesias obterem ganhos de escala que lhes permitem uma gestão mais racional e eficiente dos recursos existentes, facto que se traduz no aumento da eficiência e melhoria dos serviços que prestam à população. Os benefícios e vantagens da reorganização administrativa cedo ficaram demonstrados, como revelou o estudo “Inquirição aos Munícipes e Principais Agentes da Cidade de Lisboa: Qualidade de Vida e Governação Urbana” (2017), que concluiu que a reforma administrativa foi francamente positiva, nomeadamente ao nível do aumento da qualidade de vida em Lisboa.

Carla Madeira, Presidente

O processo de gentrificação, resultado da “turistificação”, reabilitação urbana e consequente especulação imobiliária, tem vitimizado os grupos sociais de menores recursos. O direito à habitação está, mais do que nunca, na agenda do município?

Os valores praticados no mercado de venda e de arrendamento da habitação em Lisboa, em particular na freguesia da Misericórdia, são proibitivos para a maioria das famílias portuguesas. A oferta de fogos para arrendamento tem vindo a diminuir progressivamente em Lisboa, existindo atualmente menos de metade dos fogos para arrendar que existiam em 2013. Esta situação deve-se, em grande medida, às alterações introduzidas em 2012 no regime do arrendamento, implementadas pelo então Governo PSD/CDS-PP com o apoio da maioria parlamentar da direita, as quais, além de fomentarem a especulação imobiliária, aumentaram substancialmente a “facilidade com que as expulsões (das residências) podem ser realizadas”, como afirmou, em 2016, a Relatora Especial das Nações Unidas para a Habitação Adequada, Leilani Farha. Estas alterações levaram à saída de milhares de residentes permanentes do centro da cidade de Lisboa, sobretudo de pessoas idosas e mais vulneráveis, que foram forçadas a abandonar as residências onde moravam há décadas. Desde então, tem vindo a ser desenvolvida uma política de habitação, por forma a estabelecer o equilíbrio e sustentabilidade no mercado de arrendamento e garantir o acesso à habitação em Lisboa, nomeadamente no centro da cidade.  Neste âmbito, foi implementado o regulamento municipal do Alojamento Local e também vários programas destinados, quer a proprietários, como seja o “Renda Segura”, quer às famílias, designadamente o ‘Subsídio Municipal de Renda Acessível’, o ‘Arrendamento Apoiado’, o ‘Habitar o Centro Histórico’ e o ‘Renda Acessível’, que já vai na 6ª edição, onde a taxa de esforço não pode ser superior a 30% do rendimento das famílias, por forma a garantir que o direito à habitação digna em Lisboa é uma realidade ao alcance de todos.

Em parceria com o Turismo de Portugal surge “VIVER@MISERICÓRDIA”, que pretende otimizar a qualidade de vida dos residentes, bem como as relações entre estes e os turistas, valorizando a identidade cultural, tecido social e o padrão urbano e funcional?

É fundamental garantir a sustentabilidade do Turismo e promover o equilíbrio entre as atividades turísticas e a comunidade local. Nesse sentido, a Junta de Freguesia da Misericórdia definiu e tem vindo a implementar, desde 2018, o programa ‘VIVER@MISERICÓRDIA’.  Trata-se de um programa pioneiro que foi inscrito na Linha de Sustentabilidade do Turismo, gerida pelo Turismo de Portugal, o qual compreende diferentes vertentes que temos vindo a desenvolver, designadamente ao nível das componentes ambiental, acessibilidade e mobilidade, da diversificação da oferta de experiências, da higiene e salubridade, bem como da cidadania.

No âmbito do ‘VIVER@MISERICÓRDIA’ foram realizadas várias ações, desde a melhoria de acessibilidade a sanitários públicos, à recolha de lixo, à arte urbana, à sensibilização e prestação de informação útil sobre a freguesia e à promoção da participação cívica da população e dos agentes locais.

ACESSIBILIDADES@MISERICORDIA procura melhorar a mobilidade na freguesia. Misericórdia é uma freguesia para todos?

A Junta de Freguesia da Misericórdia tem vindo a desenvolver uma política de requalificação do espaço público e melhoria das acessibilidades, através de um conjunto de intervenções que visam valorizar o património coletivo e melhorar a mobilidade para todos, tornando a utilização do espaço público mais inclusiva, confortável e segura. Os exemplos mais recentes são as intervenções realizadas na Calçada Salvador Correia de Sá, nas travessas André Valente e do Jasmim e na Praça das Flores, onde, preservando o traço original da praça e mantendo a capacidade de estacionamento, os passeios foram alargados e elevados de forma que raízes das árvores que sobressaiam na superfície deixassem de ser um obstáculo à passagem de pessoas com mobilidade reduzida, diminuindo assim o risco de quedas.

Resultado das novas dinâmicas residenciais, económicas e urbanísticas no centro histórico da cidade de Lisboa, os projetos de videovigilância tornaram-se fundamentais?

A videovigilância é uma ferramenta útil e importante para que as forças de segurança cumpram a sua missão, mas também para fomentar um sentimento de segurança na população. A videovigilância, além de constituir um meio de dissuasão da prática de crimes e de identificação de suspeitos, permite que as forças policiais possam efetuar uma monitorização permanente e atuar com maior prontidão e eficácia perante qualquer ocorrência.

A Misericórdia é a única freguesia de Lisboa que, até ao presente momento, dispõe de um sistema de videovigilância (no Bairro Alto), o qual vai ser alargado com a instalação de mais câmaras de vigilância, nomeadamente no miradouro de Santa Catarina, correspondendo assim áquilo que foi uma ambição da Junta de Freguesia e da comunidade local.

A freguesia é um local de agregação de uma classe artística, onde foram várias as figuras da vida cultural e política que viveram no antigo e atual território. É uma inspiração para os munícipes e para o executivo?

São inúmeras as personalidades da cultura e da vida artística e política portuguesa que, ao longo dos séculos, nasceram e escolheram a Misericórdia para viver. Seria impossível enumerar todas, mas recordo grandes nomes da literatura como Bocage, Fernando Pessoa ou o Professor Agostinho da Silva. Mais recentes, a Anita Guerreiro ou a Simone de Oliveira, artistas que já tivemos oportunidade de homenagear, o José Fonseca e Costa (infelizmente já falecido), atores como o Virgílio Castelo, o Miguel Guilherme ou a Margarida Marinho e, não posso esquecer, o nosso saudoso Carlos do Carmo, nascido no bairro da Bica e cuja vida e obra pretendemos, brevemente, perpetuar na toponímia da freguesia. Apresentámos à Câmara Municipal da Cidade uma proposta nesse sentido, a qual mereceu grande acolhimento e entusiasmo pela família. Apesar de termos muitas personalidades de prestígio e reconhecimento público associadas à Misericórdia, encontramos em todos e em cada um dos fregueses e freguesas a responsabilidade e inspiração para cumprirmos a nossa missão por forma a construir uma freguesia melhor.

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