Localizado sobre as muralhas antigas de Albufeira, A Ruína é um espaço onde a tradição se funde com a autenticidade, e cada prato reflete o sabor do mar, memória e dedicação. Em conversa com João Lázaro e Sandra Lázaro, pai e filha, mergulhámos na história de um dos restaurantes mais emblemáticos do Algarve. Com mais de 50 anos de portas abertas, continua a ser uma referência gastronómica que conquista gerações.
João Lázaro começou cedo no mundo da restauração, ainda jovem, como empregado de mesa. A experiência acumulada, aliada à visão e ao faro para as oportunidades, levaram-no a abrir o seu próprio restaurante em 1969. Pouco depois, em 1972, surgiu a oportunidade de explorar o edifício onde viria a nascer A Ruína, no coração da vila. A proposta era irresistível: no inverno não pagava renda, no verão, pagava apenas uma percentagem sobre o peixe, marisco e vinho vendidos. “Foi uma loucura. Vendia-se tudo, o peixe era comprado diretamente aos pescadores na rua. Era um espetáculo”, recorda João. E assim se lançou numa jornada que nunca mais parou. O edifício, construído sobre muralhas antigas de Albufeira, foi ganhando vida com as obras que o transformaram, respeitando a traça original e abrindo janelas que emolduram o mar como um quadro vivo – com piso superior, vitrines de peixe como se de uma praça se tratasse e, sempre, com um detalhe inegociável: peixe à vista e sem ementa na mesa.
“Na altura, as pessoas vinham até aqui à procura de algo diferente. E o diferente era o mais simples: peixe grelhado na hora, uma mesa bem colocada e um sorriso à chegada”, afirma João.

Peixe à vista, confiança à mesa
Na Ruína, os clientes escolhem o peixe com os olhos. Não há ementa tradicional: há um quadro de ardósia, peixe fresco exposto e uma equipa que explica tudo, com simpatia e conhecimento. “As pessoas veem, fazem fila, escolhem o peixe, sentam-se e confiam em nós. Sempre foi assim, desde o primeiro dia”, partilha Sandra. Muitos clientes regressam ano após ano e entregam-se plenamente às sugestões da casa. “Às vezes dizem: tragam o que acharem melhor hoje. E isso demonstra que conhecem a nossa forma de trabalhar”, acrescenta.
E se alguém não ficar satisfeito com o que escolheu? João responde com tranquilidade: “O importante é que todos saiam contentes. Se for preciso, trazemos outra sugestão. O que conta é a experiência ser positiva”.
Peixe fresco, comprado todos os dias
A base da cozinha é o peixe local. Antigamente, João comprava diretamente na lota de Quarteira ou Armação de Pêra. Hoje, é a mãe de Sandra, Salomé Lázaro, quem gere as encomendas, trabalhando com fornecedores de confiança que mantêm a cadeia curta e asseguram a frescura. “Compramos todos os dias e só confecionamos na hora. O desperdício é praticamente nulo”, explica Sandra. A escolha começa ainda no mar. “O melhor peixe é o nosso, aqui do Algarve. O peixe da rocha é o mais saboroso porque vive protegido e come bem – camarão, mexilhão, o que há de melhor”, explica João. “O que dá qualidade ao peixe é onde vive e aquilo que come. Quando se alimenta de lodo, o sabor nunca é o mesmo”, salienta. A sabedoria prática também dita o tempo certo de cada espécie. “Na desova o peixe está magro, sem sabor. Mas quando começa a engordar, depois de fevereiro, aí é que vale a pena. Há muito peixe bom aqui, mesmo a poucas braças da costa. E isso nota-se no prato”.
A lista de peixes é generosa: robalo, dourada, pargo, linguado, salmonete, pregado, sargo, pargo e bacalhau, todos preparados com técnica apurada, como o famoso peixe escalado, retirando a espinha e garantindo a cozedura perfeita de ambos os lados.
“Há todo um cuidado desde a chegada do peixe até ao prato. Só o colocamos na grelha no momento certo, com a brasa no ponto, e deixamos o sabor falar por si. Nada de molhos a disfarçar. É o mar no prato”, evidencia João.

Entradas e mariscos com sabor a tradição
As entradas são um capítulo à parte: salada de polvo, de cavala, de atum, de camarão, lulinhas, calamares, pastéis de bacalhau, ovas e uma seleção de mariscos da costa – conquilhas, ameijoas, mexilhão, lavagante, lagosta, carabineiro e sapateira. “O segredo está na qualidade do produto e no respeito pela forma tradicional de o preparar”, resume João. Os petiscos são servidos com pão caseiro e um sorriso. “Temos clientes que só vêm pelas entradas. Outros que passam a tarde aqui, entre petiscos, vinho e vista. Isso é que é saber viver”, diz Sandra.
Vinhos com identidade e ligação à casa
O vinho também sempre teve lugar de destaque. A carta inclui referências de todas as regiões nacionais, com destaque para os vinhos do Algarve e um vinho verde produzido pela própria família numa quinta no norte do país. “É o nosso vinho, engarrafado na Adega da Lixa, e feito com uvas da nossa produção. Uma oferta personalizada para quem nos visita”, explica Sandra. A carta é curta, mas honesta. “Não temos 300 rótulos. Temos o que conhecemos, provámos e gostamos de servir. Preferimos recomendar um vinho com convicção do que entregar uma lista que ninguém lê até ao fim”, acrescenta.
Um restaurante de ocasião, com clientes fiéis
O cliente da Ruína é maioritariamente estrangeiro, classe média-alta, que visita o espaço em momentos especiais. Também há portugueses, sobretudo em férias ou em jantares de negócios. “Temos muitas famílias que começaram a vir há décadas e hoje trazem os filhos e netos. É uma relação que se constrói com confiança”, diz Sandra.
A vista sobre o mar é um dos maiores encantos. “As pessoas ficam maravilhadas. Nós, por estarmos aqui todos os dias, quase esquecemos o privilégio que é trabalhar neste cenário”, admite. E é isso que torna a Ruína tão especial: não é um restaurante apenas de comida. É um lugar de memórias. “Já tivemos casamentos, pedidos de noivado, celebrações importantes. Aqui criam-se momentos que as pessoas guardam para sempre”, menciona João.
Ao longo dos anos, a Ruína já recebeu muitas pessoas ilustres e de destaque, nacionais e internacionais. Figuras conhecidas de várias áreas, desde empresários a personalidades do desporto, tornando o restaurante uma referência para quem procura um ambiente especial e acolhedor.
Equipa como família, gerações que se cruzam
A Ruína é uma verdadeira empresa familiar. Salomé Lázaro continua na cozinha, o filho, João Lázaro – que partilha o nome com o pai – é responsável pelas compras e pelos vinhos, a irmã Sandra gere a parte administrativa e os recursos humanos.
Já o pai continua a ser o rosto do restaurante, uma figura de referência que marcou gerações de clientes com a sua presença acolhedora e dedicação. “Temos empregados com vários anos de casa. Alguns dos primeiros abriram os seus próprios restaurantes. Hoje temos uma equipa estável, com 18 pessoas durante todo o ano. Valorizamos a formação, a cultura da casa e o atendimento em português. Não temos ementas traduzidas. Preferimos explicar cada prato, na língua do cliente, com atenção e respeito”, explica Sandra.
“Muitos dos colaboradores mais antigos viram-nos crescer. É bonito ver como as histórias se cruzam. Há continuidade. E há compromisso com os valores que sempre defendemos”, refere João.
Autenticidade, excelência e amor pela profissão
A Ruína nunca quis ser um restaurante do dia a dia. Mantém-se fiel à sua identidade, sem menus do dia, sem cedências ao facilitismo. “Há quem critique, mas quem vem, percebe o conceito. É diferente. É genuíno”, afirma Sandra.
“Quem aqui chega pode contar com qualidade, autenticidade e um serviço de excelência. E com um sorriso – porque, como o meu pai sempre disse, má disposição fica à porta. Aqui serve-se bem, com gosto, e com alma”, destaca.
O futuro assente na história
Com mais de 50 anos de portas abertas, A Ruína não perdeu a essência. “Enquanto conseguirmos manter a qualidade, manteremos este modelo. Se um dia não pudermos garantir o nível a que habituámos os nossos clientes, então paramos”, afirma João com serenidade. Mas, para já, o futuro parece garantido. Sandra está motivada, a terceira geração já ajuda, e os clientes continuam a regressar, ano após ano.
A casa continua a evoluir, com atenção às necessidades dos tempos modernos, mas sem abdicar do que a torna única. Novas ideias surgem, eventos exclusivos começam a ganhar forma, e há já planos para criar experiências mais personalizadas para clientes fiéis e novos visitantes. “A Ruína é mais do que um restaurante. É um legado. E vamos continuar a honrá-lo, com o mesmo espírito de sempre: trabalhar com verdade, servir com orgulho e cozinhar com alma”, conclui João.