Tâmega Energy: Investimento em Energia

A TÂMEGA Energy, empresa do Grupo TÂMEGA, venceu recentemente o concurso para a construção e operação de uma central solar de 10MW, na ilha de Santiago, em Cabo Verde. A energia produzida será vendida à Electra, enquanto concessionária da rede de transporte e distribuição de energia elétrica, por um valor fixo durante um período de 20 anos. A Revista Business Portugal esteve à conversa com José Braz da Silva, administrador do Grupo TÂMEGA, que explicou os motivos que conduziram a este investimento e referiu outros projetos que o grupo tem em vista em Cabo Verde.

O que motivou este investimento do Grupo TÂMEGA no setor elétrico cabo-verdiano?
De uma forma muito sucinta diria que é a avaliação muito positiva que fazemos do país, em geral, e do setor das energias renováveis, em particular. E, para sermos justos, temos de reconhecer que a assessoria do Banco de Fomento Internacional (BFI) foi determinante para a tomada de decisão, uma vez que tem um profundo conhecimento do mercado que nos conforta. E, por estas razões, esperamos que este seja apenas o primeiro investimento no país.

Começando pelo país, em que consubstancia-se essa avaliação muito positiva?
Cabo Verde é um país política, social e economicamente estável. Embora soe a uma “frase feita” quando nos referimos ao país, a verdade é que esta encontra respaldo na realidade concreta. Esta estabilidade é comprovada por diversos indicadores. Para além da paridade cambial fixa do Escudo Cabo-Verdiano ao Euro, que possivelmente foi a medida mais estruturante para a economia cabo-verdiana, são inúmeros os dados que a comprovam. Por exemplo, Cabo Verde é o país mais livre e democrático de África, de acordo com a Freedom House (2019); é o segundo país lusófono melhor classificado quanto à liberdade económica, apenas superado por Portugal, de acordo com o Index Economic Freedom (2019); foi considerado o 18.º país mais atrativo para os investidores em África e o primeiro entre os lusófonos, segundo o Programa de Atratividade do Investimento Estrangeiro, elaborado pela Ernest & Young (2017). E mais e bons exemplos poderiam ser dados neste sentido.

E no que diz respeito ao setor das energias renováveis, em que assentou essa avaliação também muito positiva?
O país não só possui excelentes recursos renováveis (nomeadamente o eólico e o solar), como existe um enquadramento legal estabilizado e claro. Neste capítulo há que destacar três documentos fundamentais. O Decreto-Lei n.º 1/2011, o qual estabelece as disposições relativas à promoção, ao incentivo e ao acesso, licenciamento e exploração inerentes ao exercício da atividade de produção independente e de autoprodução de energia elétrica, com base em fontes de energia renováveis. O Plano Estratégico Sectorial das Energias Renováveis (PESER) que define as Zonas de Desenvolvimento de Energias Renováveis (ZDER) em todas as ilhas, em função dos recursos renováveis identificados, para implementação de projetos com recurso à energia solar, eólica, hídrica, geotérmica, marítima e de resíduos sólidos urbanos. A classificação de uma zona como ZDER implica a dispensa de realização do processo de Avaliação de Impacte Ambiental para os projetos aí integrados e/ou associados, no decorrer do processo de licenciamento, o que constitui também um instrumento de facilitação de investimentos em energias renováveis. E o Plano Diretor do Setor Elétrico 2018-2040 que estabelece qual o nível de energias renováveis, reforços térmicos e soluções de armazenamento ótimos do ponto de vista dos custos em cada momento, tendo em consideração o aumento previsto da procura, a evolução dos custos das diferentes tecnologias e critérios exigentes de qualidade de fornecimento de energia. Atualmente, a taxa de penetração das energias renováveis cifra-se nos 20,3 por cento. A nossa central solar, que será a maior do país, permitirá um aumento de 30,7 por cento na capacidade instalada de energias renováveis no país e de 80,6 por cento na ilha de Santiago. O Governo tem como objetivo conseguir uma elevada taxa de penetração das energias renováveis nos próximos anos (atingir 50 por cento até 2030), reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis e os seus efeitos na balança de pagamentos do país. Portanto, e em síntese, diria que Cabo Verde, no setor das energias renováveis, apresenta as condições naturais e o enquadramento legal, onde se inserem os benefícios fiscais, necessários para alcançar tão ambicioso objetivo. Agora, importa ter presente que a introdução de 50 por cento de energias renováveis requer um conjunto de investimentos ao nível das infraestruturas que minimizem as restrições associadas à dimensão dos sistemas elétricos e que garantam a segurança e fiabilidade do abastecimento de energia.

Na qualidade de investidor externo, quais as reformas em curso ou concluídas que destacaria para quem pensa investir em Cabo Verde?
Há que realçar o forte compromisso que o atual Governo assumiu com o desenvolvimento do país, tendo colocado em prática um conjunto de políticas e medidas que têm como objetivo primordial tornar Cabo Verde um país capaz de atrair investimento estrangeiro e criar um ambiente favorável de negócios, das quais são exemplos o ambicioso plano de privatizações (privatização ou concessão de 23 empresas públicas até 2021), a liberalização plena das operações cambiais e das relações económicas e financeiras de Cabo Verde com o exterior, a regulamentação do Centro Internacional de Negócios de Cabo Verde (CIN-CV), ainda em fase de implementação, e a criação de benefícios fiscais para o cidadão estrangeiro que decida comprar uma segunda residência em Cabo Verde, atribuindo-lhe, ao mesmo tempo, o Cartão de Residência Permanente no país, o chamado “Green Card”. São, todas elas, excelentes medidas. Quanto ao “Green Card”, penso que no futuro o Governo pode ser mais ambicioso e equacionar a extensão deste benefício (com adaptações) a todos os cidadãos estrangeiros que façam investimentos relevantes em Cabo Verde e não apenas àqueles que o fazem em imobiliária turística.

Regressando ao Grupo TÂMEGA, disse que espera que a central solar seja apenas o primeiro investimento no país. Que outros investimentos têm em vista em Cabo Verde?
Estamos atentos aos processos de privatização em curso, nomeadamente no setor da energia, e estamos disponíveis para participar nos demais projetos considerados prioritários e/ou estruturantes, seja ao nível da produção, do armazenamento, do transporte ou da distribuição de energia elétrica. Equacionamos ainda a possibilidade de trazer para Cabo Verde uma tecnologia desenvolvida in-house, já patenteada, que visa a produção e comercialização de hidrocarbonetos, a partir de resíduos plásticos, com vista à substituição de produtos de origem petrolífera. Atendendo à pequena dimensão do mercado interno, esta solução poderá ter um impacto muito positivo na balança de pagamentos do país. Enfim, ainda há muito por fazer. Mas não estamos em Cabo Verde só de passagem, estamos aqui numa perspetiva de longo prazo. Temos tempo. Embora reconheça que muitas vezes os projetos não se desenvolvem com a rapidez que desejaríamos. Contudo, a nossa convicção mantém-se. Cabo Verde tem um enorme potencial na área das energias renováveis e pode ser, inclusive, uma excelente plataforma para a testagem de tecnologias emergentes que ainda estejam em fase de protótipo ou pré-comercial.

Mas a reduzida dimensão territorial do país não acaba por limitar o aproveitamento desse potencial?
Não necessariamente. Por exemplo, e pensando no caso específico da energia eólica offshore ou da energia das ondas, o país possui um extraordinário recurso pouco conhecido da maioria: uma ampla zona marítima económica exclusiva de 789.4 mil km2, cerca de 9,4 por cento da ZEE de toda a África Subsaariana. E não tenho dúvidas que a reduzida dimensão territorial será uma vantagem na implementação da mobilidade elétrica, onde o país começa a dar os primeiros passos. Aliás, Cabo Verde tornou-se, em abril de 2019, o primeiro país do continente africano a aderir à Aliança para a Descarbonização dos Transportes, que visa promover a descarbonização dos sistemas de mobilidade e transportes.

Numa palavra, e para quem não conhece, Cabo Verde é…?
Morabeza! Era impossível escolher outra! É um regionalismo de Cabo Verde, uma palavra difícil de traduzir mas que quer dizer algo como amabilidade, gentileza ou alegria de existir.

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