O futuro do investimento sustentável

O plano estratégico da Smartenergy é bem claro:  focar na expansão geográfica, avançar na transição energética e investir num futuro sustentável. Em entrevista à Revista Business Portugal, João Cunha, Chief Operating Officer e Deputy CEO, realça os investimentos realizados em Portugal, desde 2017, com vista à produção de hidrogénio verde.

A Smartenergy reúne as habilidades certas para atingir um propósito: avançar na transição energética e investir num futuro sustentável. Quais os fatores que estão na base do sucesso da Smartenergy?

João Cunha, Chief Operating Officer e Deputy CEO

A Smartenergy é uma empresa suíça que atua em toda a cadeia de valor da geração de energia renovável, Eletricidade, Hidrogénio e combustíveis sintéticos, com a particularidade no seu modelo de competitividade realizar investimentos com fundos próprios. A Smartenergy instalou e constitui filiais nos mais relevantes mercados da Europa, incluindo Portugal, Espanha, Alemanha e Itália, apesar de, continuamente, estarmos a entrar em novos mercados geográficos e subsectoriais na área das renováveis.

O  plano estratégico da Smartenergy assenta: (i) na expansão geográfica , sendo os mais recentes alvos estratégicos os mercados do Reino Unido, França, Polónia e Grécia); (ii) no desenvolvimento, financiamento e construção de ativos para  geração de eletricidade a partir de energias renováveis, nomeadamente envolvendo energia solar fotovoltaica, energia eólica, e hidrogénio verde e seus derivados; (iii) na gestão de ativos, próprios e de terceiros e (iv) na comercialização / trading de eletricidade e hidrogénio.

A Smartenergy investe muito no conhecimento local dos mecanismos do mercado. Tem desenvolvido, uma ampla rede de contactos e formado parcerias fundamentais com entidades várias e em especial com centros cientifico-tecnológicos. Assim, tem conseguido incrementalmente aprofundar o conhecimento das necessidades dos seus co investidores.

Este novo paradigma do mercado energético renovável requer um conjunto integrado de competências para que as empresas consigam ser competitivas e sustentáveis no desenvolvimento do seu portfolio de ativos.  Assim, as competências técnica e de engenharia, modelos económicos, financiamento e jurídica, estão na base do nosso sucesso e têm-nos permitido a conquista, no espaço europeu de quotas de mercado interessantes.

Outro aspeto que nos parece diferenciador, é o facto de desenvolvermos os nossos projetos sempre com foco de investidor, maximizando o valor dos ativos. Desta forma, estamos em toda a cadeia de valor para otimizar todos os detalhes.

Estes ingredientes aliados ao dinamismo, agilidade, criatividade, à experiência e à flexibilidade da nossa equipa e dos nossos parceiros, permitem-nos avaliar e aceitar conscientemente cada natureza de risco de investimento (porque faz parte do nosso negócio), mas mitigá-lo ao mínimo (porque sabemos como extrair valor de situações complexas).

O facto de sermos uma empresa com origem suíça permite-nos ainda ter acesso a co investidores estratégicos para implementar os nossos projetos.

Com vista a tornar Portugal um país energicamente mais sustentável, a Smartenergy, tem vindo a desenvolver projetos solares desde 2017 que, após o processo de licenciamento, começaram a ser construídos no início de 2020. Portugal tem sido e continua a ser um mercado estratégico para a Smartenergy?

A Smartenergy decidiu investir em Portugal, numa altura em que já se encontrava a operar em Espanha. Entra no mercado português em 2017, com a aquisição de alguns projetos eólicos. Em 2018 adquiriu uma empresa portuguesa de desenvolvimento de projetos e decidiu iniciar o investimento em centrais solares fotovoltaicas. O passo seguinte foi a tomada de uma participação maioritária numa comercializadora de energia, a Muon Electric, que desde 2020 é detida a 100% pela Smartenergy. A Muon Electric assegura a ligação a milhares de consumidores, domésticos e empresariais, fazendo a ponte entre a capacidade de geração de energia verde e o utilizador final, de forma eficiente e responsável. A Smartenergy é, por isso, uma empresa verticalizada, que assegura a sua presença ao longo de toda a cadeia de valor da energia verde.

A carteira da empresa inclui diversos projetos, totalizando mais de 1 GWp de capacidade fotovoltaica em Portugal. A Central Solar Fotovoltaica (CSF) de Mogadouro está operacional desde dezembro de 2020 e a CSF de Portimão entrará em operação ainda este ano. Em conjunto, estes projetos representam uma capacidade instalada de cerca de 100MWp, equivalente a aproximadamente 230.000 painéis solares. Ao longo deste ano iniciaremos a construção de mais projetos, pelo que esperamos em meados de 2022 ter cerca de 350MWp em operação no mercado português.

Portugal tem sido e continua a ser um mercado estratégico para a Smartenergy. A filial em Portugal, sediada em Matosinhos, acolhe o Centro Global de Competências, com cerca de 20 profissionais altamente qualificados, na sua maioria portugueses. Esta equipa realiza e apoia as atividades do grupo nas áreas de engenharia, construção, operação e gestão de ativos, para projetos localizados em toda a Europa. O Centro Global de Competências da Smartenergy, dispõe, ainda, de competências para desenvolver projetos de hidrogénio verde, em estreita colaboração com o nosso Centro Tecnológico, localizado em Munique, que lidera a unidade de negócio de hidrogénio.

Os recentes investimentos realizados em Portugal, realçaram o papel da empresa na descarbonização energética e revelou um dos principais objetivos para o futuro: produzir hidrogénio verde, que se revela um dos pontos-chave para a descarbonização?

O hidrogénio é um dos elementos mais comuns no Universo, e por isso dos mais disponíveis no nosso planeta. Neste momento, o hidrogénio já tem imensas utilizações. Basta recordar que na composição química dos hidrocarbonetos estão presentes átomos de hidrogénio. Atualmente, o hidrogénio é obtido, normalmente, a partir do gás natural, por um processo de combustão catalítica sem chama designado por “Reformação de Gás Natural com Vapor de Água”, em inglês Steam Methane Reforming (SMR). O inconveniente deste processo reside no facto de, para além de se obter hidrogénio, ser libertada uma quantidade relevante de CO2. No caso do hidrogénio que habitualmente designamos por verde, o processo de produção é sustentável e isento de emissões de CO2.

É baseado no eletrólise da água (H2O), utilizando energia elétrica proveniente de fontes renováveis. São obtidas moléculas de hidrogénio e também oxigénio, havendo ainda libertação de calor. Como já referido, neste processo não há emissões de CO2. A adoção de hidrogénio verde é, reconhecidamente, uma solução para aumentar a incorporação de fontes renováveis no consumo final de energia, contribuindo de forma decisiva para que sejam atingidos os objetivos de descarbonização definidos na União Europeia e a nível nacional.

O hidrogénio é um bom transportador de energia (energy carrier), que pode ajudar a descarbonizar vários setores da economia de difícil eletrificação direta, tais como os transportes pesados, aéreos e marítimos ou processos industriais que recorrem a calor de elevadas temperaturas. O hidrogénio verde permite a eletrificação indireta renovável dos consumos de energia térmica e elétrica sem emissões de carbono?

O hidrogénio verde, obtido por eletrólise da água, com recurso a energia elétrica proveniente de fontes renováveis, permite fazer a eletrificação indireta de consumos de energia, sem emissões de carbono. O hidrogénio verde é especialmente importante na descarbonização dos sectores em que a eletrificação direta é uma alternativa inviável, por motivos técnicos e económicos, como é o caso da mobilidade ou dos processos industriais que recorrem a calor de elevadas temperaturas.

No caso da mobilidade rodoviária, os veículos movidos a hidrogénio são acionados por motores elétricos, sendo a energia elétrica necessária obtida por células de combustível (fuel cells) que consomem hidrogénio. Os veículos equipados com células de combustível (FCEV) são uma alternativa aos veículos elétricos equipados com baterias. Em termos de mobilidade rodoviária, considera-se haver vantagem na utilização de veículos FCEV na mobilidade pesada, quer de mercadorias (especialmente no longo curso), quer de passageiros (nomeadamente nas carreiras regionais).

Entre as vantagens da utilização de veículos movidos a hidrogénio, nomeadamente autocarros, contam-se:

a) Sustentabilidade: descarbonização total da operação, com hidrogénio produzido a partir de energias renováveis, sem emissões tóxicas, sendo apenas libertada água pura;

b) Autonomia e alcance, resiliência e desempenho operacional: até 400 km sem reabastecimento, desempenho comparável ou melhor que o dos autocarros a diesel, nomeadamente em termos de aceleração ou graduabilidade; redução dos níveis de ruído e suavidade de deslocação; abastecimento rápido (7 minutos por veículo).

Na indústria, o hidrogénio verde, quer como vetor energético quer como matéria-prima, tem a vantagem de reduzir as emissões CO2, uma vez que promove mais facilmente a substituição de combustíveis fósseis, onde a eletrificação poderá não ser a solução mais custo-eficaz, como acontece nas indústrias da refinação, química, metalúrgica, cimento, extrativa, cerâmica e vidro.  

Os preços crescentes das licenças de carbono no âmbito do Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE), que é atualmente a principal ferramenta de incentivo à redução de emissões na Europa, bem como a redução do número de licenças gratuitas, colocam as indústrias antes referidas sob forte pressão para descarbonizar. Os 50 €/t CO2 que se esperava que fossem atingidos em 2030, foram ultrapassados há dias. Mais ainda, o pacote legislativo “FIT for 55”, resultante da nova meta europeia estipulada de redução de 55% das emissões até 2030, face a 1990, trará consigo alterações substanciais ao atual regime CELE. 

A adoção do hidrogénio verde contribuirá para competitividade destas indústrias, tornando-as de alguma forma imunes à anunciada redução do número de licenças e ao aumento esperado dos preços das emissões de carbono.

As alterações climáticas e os seus impactos reforçam a necessidade de desenvolver novos projetos e modelos de negócio integralmente sustentáveis. É, por isso, crucial antecipar as tendências do mercado e as necessidades das partes interessadas?

As alterações climáticas e os seus impactos especialmente gravosos, reforçam a necessidade de assumir um novo modelo de consumo energético, permitindo o desenvolvimento de novos projetos e modelos de negócio integralmente sustentáveis e alinhados com os objetivos de longo prazo de todos os stakeholders, nomeadamente quanto ao seu impacto no caminho para a neutralidade carbónica.

No contexto nacional, a evolução do mix energético mostra claramente o potencial da estratégia de descarbonização, com base na penetração das energias renováveis, resultando na redução das importações de combustíveis fósseis.

Para além da descarbonização dos sistemas de energia, também há a necessidade de descarbonizar outros sectores da economia, incluindo sistemas de aquecimento, arrefecimento, mobilidade, indústria e também a agricultura. A descarbonização destes sistemas não passa apenas por aumentar a incorporação de renováveis, mas também na adoção de novas tecnologias renováveis ou vetores energéticos, tais como os combustíveis sintéticos e o hidrogénio verde, nos casos onde a eletrificação direta não seja uma alternativa viável, por apresentar maiores custos ou por não ser tecnicamente viável.

O sector empresarial privado tem, hoje e no futuro, um papel determinante na criação de novos produtos e serviços, e uma adoção de comportamentos e/ou perfis de consumo ajustados e alinhados com as metas de descarbonização até 2050?

Cabe ao governo, e às instituições públicas nacionais e comunitárias, criar as necessárias condições para captar investimento e financiamento privado nas condições mais favoráveis para o território, incluindo a criação de políticas públicas, a manutenção de ambientes políticos estáveis, e o estabelecimento de ordenamentos jurídico e regulatório adequados. Complementarmente, o sector empresarial tem um papel determinante na pesquisa e desenvolvimento em parceria com as universidades e centros tecnológicos, no financiamento e investimento, na criação de novos produtos e serviços bem como de novos modelos de negócio, e com isto permitir a geração de emprego e contribuir para o crescimento do PIB que consequencialmente irá gerar melhorias ambientais e económico-sociais. O mesmo sector empresarial, do lado do consumo, terá igualmente um papel importante através da adoção de comportamentos e/ou perfis de consumo ajustados e alinhados com as metas de descarbonização, que poderá passar, entre outros, pela substituição/adaptação de processos industriais que fazem parte do seu dia-a-dia. Somente este alinhamento entre procura e oferta propiciará o ecossistema e o contexto favorável que permitirá a materialização das ambições dos países.

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