Na pequena aldeia de Santa Catarina da Fonte do Bispo, no concelho de Tavira, encontra-se um dos lagares mais antigos do Algarve, ainda em funcionamento. Em entrevista, Renato Rocha, Proprietário, aborda os desafios e a paixão por manter viva esta tradição.
O Lagar Santa Catarina é um exemplo de resistência ao tempo e à sazonalidade, permanecendo firme em uma região onde muitos outros ficaram pelo caminho. Fundado em 1913, de acordo com os documentos históricos encontrados, o lagar tem sido passado de geração em geração, superando os desafios da modernização sem perder o seu caráter familiar. Originalmente, o lagar fazia parte de um conjunto de pequenos lagares que, no início do século XX, estavam espalhados por toda a região. “Naquela altura, havia muitos lagares no Algarve, todos muito pequenos. Este resistiu, porque foi passando de geração em geração”, explica Renato, sublinhando a importância da continuidade familiar para a preservação do negócio ao longo do tempo.

Um lagar que atravessa o século
O lagar, foi manual até 1940 e passou a hidráulico em 1941, em 1965, Alberto Rocha, pai de Renato, começou a trabalhar na unidade herdada do tio. Modernizou o processo e nos anos 90, montou linhas contínuas e a centrifugação, que marcaram uma revolução na eficiência do negócio. “Foi uma revolução que permitiu dar outro salto”, afirma.
Renato cresceu no ambiente do lagar, começando a trabalhar com o pai aos 12 anos, durante as férias e até de madrugada com os amigos, e apesar de ter seguido outros caminhos profissionais, o vínculo ao lagar nunca se perdeu. “Trabalhei com ele muitos anos, tive outros negócios, e depois voltei. Mas estive sempre ligado”. Há sete anos, assumiu a liderança, dando continuidade ao legado do pai e do tio-avô, Manuel Belchior Pereira, o fundador.
Azeite com identidade local
Apesar do investimento em tecnologia, o processo mantém-se fiel à terra e aos ritmos da natureza. As azeitonas vêm de pequenos camponeses da região, “juntam-se em família para apanhar a azeitona no fim de semana, para autoconsumo”. A produção é comunitária, sazonal e longe da lógica industrial.
No Algarve, onde o turismo e novas culturas dominaram o espaço, a olivicultura perdeu terreno. Ainda assim, os poucos lagares que resistem mantêm viva a tradição. “Somos poucos, mas funcionamos, porque acreditamos”, diz Renato. O azeite é 100% algarvio, feito sobretudo com a variedade maçanilha algarvia, uma espécie local, adaptada ao solo e clima da região.
O processo é totalmente mecânico, feito no próprio dia da colheita, garantindo frescura e qualidade. “Toda a azeitona que entra aqui é moída no próprio dia. Quanto mais depressa for processada, melhor é o azeite”. Apesar dos métodos naturais, não há certificação biológica. “Os nossos fornecedores não usam químicos, mas também não estão registados como produtores biológicos. O azeite é para a família”. Mesmo assim, cumpre todas as análises exigidas para ser comercializado com rótulo.

Desafios agrícolas e sustentabilidade
A imprevisibilidade da produção pesa na gestão do lagar. “Há anos de muita colheita e outros de quase nada. Já fizemos dois milhões de quilos num ano e no seguinte 200 mil. É radical”. A natureza dita as regras: moscas, calor, seca ou chuva, tudo influencia. Nos dias mais movimentados, chegam a atender até 250 pessoas, cada uma com quantidades diferentes de azeitona. “Temos maquinaria com mais capacidade do que usamos habitualmente para estarmos preparados”.
Para Renato, o azeite do Algarve destaca-se pela variedade da azeitona, pela idade das árvores e pelas características do solo: “Temos árvores centenárias que não são regadas, só pela natureza. Isso dá um azeite mais intenso, mais frutado”.
Além das vendas diretas, Renato fornece lojas e restaurantes, mas com cautela. “Não posso abrir muito o leque de clientes, porque no ano seguinte posso não ter produto suficiente”. A maioria das azeitonas vem do Algarve, mas alguns trazem de zonas próximas. “São pessoas que não querem azeite de olivais superintensivos e reconhecem aqui um produto autêntico”, refere.
O bagaço da azeitona
Além do azeite, o lagar também reaproveita o bagaço da azeitona, resíduo da extração, que serve como combustível para os fornos de cerâmica de Santa Catarina. “É ecológico e sustentável. Aqui aproveita-se tudo localmente”, diz, recordando que o pai também era proprietário de uma cerâmica artesanal, hoje propriedade de uma irmã.
O respeito pelo ambiente vai além do bagaço. As oliveiras não são regadas nem tratadas com químicos, e o lagar usa pouquíssima água. “Comparado com olivais intensivos, o nosso azeite não gasta sequer um litro de água”, sublinha o proprietário do lagar.
Da aldeia para o mundo
Nos últimos anos, o público estrangeiro tem sido fundamental para a sobrevivência do lagar. “Mais de 50% das vendas já são para estrangeiros. Muitos são residentes aqui, outros passam por cá e voltam aos seus países com o nosso azeite. Depois pedem-me para enviar mais”. Alemães, franceses, italianos, e muitos caravanistas, descobrem o lagar pelo boca-a-boca.
Apesar dessa procura crescente, Renato evita dar passos maiores que a perna. “A nossa maior dificuldade é a dimensão. E a consistência. Eu não sou dono da matéria-prima. Só controlo o serviço que dou”. Ainda assim, participa em pequenas iniciativas como a Feira da dieta mediterrânica, que ajudou a dar visibilidade ao seu trabalho e ao de outros produtores da região.

Olhar para o futuro
O futuro parece traçado com firmeza. Um dos filhos de Renato, com a licenciatura em Contabilidade, prepara-se para integrar o negócio da família. “É uma garantia de continuidade. O meu pai tem 88 anos e ainda anda por aqui. Estarmos agora juntos, três gerações, é especial”, afirma com orgulho.
Mais do que um empreendimento familiar, o lagar assume um papel de referência social. “Se nós não estivermos aqui, estas pessoas não têm onde levar a azeitona. Ficam sem o azeite delas e acabam por comprar no supermercado. O campo vai sendo abandonado”, alerta Renato.
Apesar dos desafios, há sinais de otimismo. “As novas gerações começam a valorizar o que levam para casa. Aproveitam os fins de semana e ajudam-se entre eles. Há mais consciência. Isso também é bom para o negócio”, observa.
No Lagar Santa Catarina, tradição e futuro caminham lado a lado, garantindo que cada gota de azeite continue a contar a história de uma terra, de uma família e de uma comunidade inteira.





