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Do mato à mesa, a caça virou tradição

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No coração da serra algarvia, um espaço que começou como um simples café de caçadores transformou-se num restaurante de referência da cozinha tradicional portuguesa. Em conversa com Tiago Cordeiro, atual responsável pelo Mato à Vista, revisitamos uma história que une sabor, família e uma ligação profunda com o interior da região.

Em 1982, no meio do mato e sem eletricidade, os pais de Tiago decidiram abrir um pequeno café para acolher caçadores, muitos deles frequentadores assíduos da zona, incluindo o próprio pai. “Isto era mesmo o mato à vista,” recorda Tiago. “Hoje temos a autoestrada aqui perto, mas no ano de abertura isto era só campo”. A partir desse ambiente rústico e genuíno, começou a servir-se a caça do dia, com petiscos simples e saborosos, que rapidamente conquistaram os visitantes. O café, nascido para ser um ponto de encontro, foi crescendo à medida que a procura aumentava.

De ponto de encontro a referência familiar

Dois anos depois da abertura, o pequeno café celebrou o seu primeiro casamento, sinal de que estava a tornar-se mais do que um espaço para caçadores – um local de convívio e celebrações. “Fizemos casamentos dos pais, batizados dos filhos, e agora vemos os netos aqui. É uma história geracional,” afirma Tiago, que hoje gere o Mato à Vista com a irmã, Sónia.

Em 2017, a nova geração assumiu a liderança do restaurante, trazendo um processo de requalificação que valorizou a tradição sem perder o conforto. “Foi uma mudança para melhor, mas sem perder a essência. Continuamos a receber famílias, amigos e eventos, mas agora com mais qualidade no serviço e na oferta”, destaca o entrevistado.

 

Tiago Cordeiro e Sónia Cordeiro, Proprietários

 

Sabores da caça e do mar

A carta do Mato à Vista reflete bem a filosofia do restaurante: pratos de caça, como bochechas de javali, ensopado de borrego e galo estufado, convivem harmoniosamente com sabores do mar, como polvo à algarvia, bacalhau algarvio ou feijoada de búzios. “Conservamos as receitas dos nossos pais, mas também criámos pratos diferenciadores.” explica Tiago.

A ligação ao território permanece essencial, mesmo que nem todos os ingredientes sejam locais. “Infelizmente, por vezes temos de recorrer a carne e legumes de outras regiões, já que o mercado local nem sempre garante qualidade e quantidade. Mas os peixes e bivalves vêm da Ria Formosa, das praças de Olhão ou Quarteira. Mantemos essa proximidade sempre que possível”, enfatiza.

 

 

 

900 vinhos, um país à prova

Outro destaque do Mato à Vista é a sua carta de vinhos, que conta com mais de 900 referências, das quais 95% são portuguesas. “A carta nasceu da nossa paixão. Queremos oferecer recomendações únicas, com vinhos fora do circuito de supermercado. Não queremos ser apenas quem abre a garrafa,” sublinha Tiago, que, tal como grande parte da equipa, tem formação em vinhos.

A experiência é o foco principal. “Gostamos de criar comparações: o mesmo estilo de vinho em Portugal, Espanha ou França. Mas o nosso compromisso é sempre com o produtor nacional. Temos vinhos do Douro, Alentejo, Bairrada, Açores, Algarve, entre outros. E fazemos sugestões à mesa, conforme o prato e o gosto do cliente”, afirma.

O tempo certo para saborear

No Mato à Vista, a calma é uma regra de ouro. “Tudo é feito na hora. Explicamos aos clientes que o tempo médio de espera é de 40 minutos e pedimos que venham cedo, mas depois podem ficar até à meia-noite. Não empurramos ninguém porta fora”, esclarece.

A equipa, com vários colaboradores que já superam 30 anos de casa, é um pilar da experiência. “Temos pessoas que nos conhecem, que sabem os gostos dos clientes. É um ambiente familiar também para quem trabalha”, destaca.

“Recebemos clientes da Quinta do Lago, Vilamoura, Tavira ou até mais longe, só para jantar aqui. É tudo boca a boca”, sublinha o gerente. No inverno, os eventos corporativos e congressos ajudam a mitigar a sazonalidade, permitindo que o restaurante funcione durante todo o ano.

Desafio da sazonalidade

O Algarve enfrenta o desafio da sazonalidade, mas empresários locais apostam em estratégias para manter o turismo e o comércio ativos durante todo o ano. “Isso é realmente diferenciador. Também foi um mercado que nós criámos, um espaço de mercado onde nos posicionámos, e isso hoje tem um peso importante, sobretudo nas épocas média e baixa,” revela Tiago.

Embora fosse mais fácil fechar por alguns meses e reabrir depois, essa não é a visão deles: “Queremos conservar as equipas, garantir trabalho o ano inteiro, e nem sempre é fácil, porque a sazonalidade ainda pesa bastante no Algarve”, declara.

Espaços abertos na baixa temporada

Muitos turistas encontram voos atrativos para o Algarve fora da época alta, mas ao chegar descobrem que bares, restaurantes e outras atividades estão fechados. “Não é uma crítica a esses empresários, porque infelizmente não lhes compensa estar abertos, mas teria que haver uma ajuda externa para que conseguissem manter-se”, afirma. Se esses espaços funcionassem na baixa temporada, “haveria mercado para eles,” mantendo a região mais viva e atrativa durante todo o ano.

 

 

Eventos e incentivos o ano todo

Tiago destaca que o Algarve tem um clima excelente durante dez meses por ano. “Precisamos de estar cheios de eventos, especialmente ligados ao desporto, que movimentam muito dinheiro”. Ele defende que o Governo deveria olhar com mais atenção para essa realidade. “O Algarve não é só época alta. É preciso complementar a oferta para que as pessoas fiquem mais tempo”, declara.

Quanto a incentivos, sugere até a isenção de segurança social ou lay-off para quem não fechar durante a baixa temporada, o que, segundo ele, seria vantajoso tanto para o Governo quanto para as empresas.

Novos projetos para ampliar

O Mato à Vista também prepara novidades: “O nosso projeto quase imediato é duplicar o bar exterior, criando uma cozinha de verão que permita tapas e petiscos à base de bivalves e outros produtos locais”, revela o entrevistado. O bar terá “tudo cozinhado à vista” e uma área com 16 bancos para refeições descontraídas. A ideia é “desmistificar a ideia de que, para vir ao restaurante, é preciso estar vestido de forma especial. Queremos que as pessoas saiam da praia e venham ouvir música, petiscar e relaxar no lounge,” conclui Tiago.

Com uma visão clara dos desafios e foco na inovação, Tiago mostra que o Algarve pode ser um destino vibrante o ano inteiro. Após mais de quatro décadas, o Mato à Vista mantém viva a tradição, unindo alma e identidade em cada prato.

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