CCAM de Torres Vedras, o banco cooperativo com propósito

Numa conversa exclusiva com Manuel Guerreiro, Presidente do Conselho de Administração da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Torres Vedras, destaca-se o modelo cooperativo democrático, além do compromisso com a sustentabilidade e responsabilidade social como temas centrais.

 

 

Manuel Guerreiro, Presidente do Conselho de Administração

 

 

A Caixa Agrícola Mútuo de Torres Vedras, desde a sua fundação em 1915, tem vindo a empenhar-se em promover a prosperidade dos seus membros e da comunidade em geral. Como afirma Manuel Guerreiro, “cada caminhada começa por um primeiro passo”. Esta caminhada reflete a importância dos princípios cooperativos na sua abordagem de inclusão que permite o acesso aos serviços bancários, designadamente ao crédito e à poupança, de modo adequado. E responsável, porque o modelo de risco suportado na proximidade tenta inserir muitos “normalmente” excluídos, fomentando uma cultura de colaboração e de dever partilhada. Esta estrutura democrática promove a transparência e fortalece o vínculo entre o banco e a comunidade. Nas cooperativas, a comunidade representa os olhos e os ouvidos da instituição e não existe melhor fiscalização ou controlo do que esse. Todos são chamados ao papel de auditores e exercem o controlo interno da Instituição. Aqui e, enquanto associado, todos têm um papel “és meu vizinho, empregado, cliente, fornecedor”, o que provoca uma forte identificação, impondo a existência de regras de boa governança que reflitam o primado da lei e da ética.

O aumento significativo de associados nos últimos meses demonstrou o reconhecimento da comunidade local quanto à centralidade da nossa instituição. Com um aumento substancial de 450 novos membros, contamos, agora, com mais de seis mil associados. “Esta campanha foi um sinal de revitalização e de confiança no projeto do Banco de Torres Vedras”, afirma o presidente.

A abrangência e influência da CCAMTV não se limitam aos seus associados; a instituição serve mais de 24 mil clientes, que possuem cerca de 54 mil contas distribuídas pelos 16 balcões nas 13 freguesias do concelho. Esta rede comercial robusta garante que as necessidades financeiras da população local sejam atendidas de maneira eficiente. “Esta instituição faz com que, em Torres Vedras, a lei dos serviços mínimos bancários seja cumprida”, destaca.

 

Manuel Guerreiro e Mário Centeno

 

Além disso, no cerne do sucesso da CCAMTV estão os seus 85 colaboradores, envolvidos no seu crescimento e inovação. “Os nossos colaboradores têm procurado desenvolver capacidades e competências, de modo a promover a continuidade e a sucessão da instituição, da qual são co-proprietários”, enfatiza.

“Para apoiar esta evolução contínua, implementámos um plano de formação que prevê cerca de 400 ações ao longo do ano de 2024”. Estas iniciativas têm como objetivo dotar os colaboradores das ferramentas modernas de gestão bancária necessárias para aumentar a competitividade e promover uma abordagem humanista no atendimento ao cliente.

“O modelo de negócio ajusta-se, naturalmente, ao mercado, sendo que os nossos colaboradores devem alinhar-se com aos novos tempos, sentindo que a organização capacita a sua vivência e cria expectativas futuras”, afirma Manuel Guerreiro. Os eventuais desafios que obrigam as instituições a processos de adaptação devem ser promovidos de acordo com os princípios da proporcionalidade e da materialidade.

Em tempos de crescente preocupação com a sustentabilidade e responsabilidade social, a CCAMTV destaca-se como uma instituição financeira que vai além do simples cumprimento de regulamentos. “A sustentabilidade não é apenas uma palavra na CCAMTV, mas um compromisso concreto que orienta a nossa atuação diária”, sublinha.

A implementação da taxonomia europeia em 2020, que define critérios claros de sustentabilidade com um foco inicial na mitigação das alterações climáticas, “teve implicações profundas para nós, não apenas como instituição financeira, mas como um membro responsável da comunidade”, afirma o presidente. Este quadro regulatório desafia as instituições a alinhar as suas operações com objetivos ambientais rigorosos, algo que a CCAMTV tem acolhido.

Na realidade, foi a sua aposta na criação de negócios, na fileira agroalimentar, que ajudou o Litoral Oeste a ser competitivo a nível global. Hoje, a fileira das hortícolas em Torres Vedras exporta mais de 2 mil milhões de euros, suportados em objetivos ambientais complementares “como a proteção dos recursos hídricos, a economia circular, a prevenção da poluição e a promoção da biodiversidade”, elucidou.

“Somos guardiões dos valores éticos e do bem-estar social. Não toleramos qualquer forma de crime financeiro, e garantimos que os nossos investimentos e operações se alinhem aos princípios ESG (Envionmental, Social and Governance)”, destacando a responsabilidade social como um ponto forte na gestão da CCAMTV.

“Cada colaborador é, como referi, um auditor de processos e procedimentos adequados. E queremos que sejam auditores internos certificados”. Além das suas operações financeiras, a CCAMTV tem um forte compromisso com o impacto social e económico da região. “O dinheiro é igual em toda a banca, mas a utilidade que as instituições retiram do valor criado não é a mesma. Sabemos onde está e com quem está o valor da nossa atividade”.

Manuel Guerreiro destaca que “a longevidade e a competitividade das CCAM’s devem-se à otimização dos fatores de produção, como capital, tecnologia e talento. Mas o verdadeiro fator diferenciador reside no talento humano e na capacidade de trabalho em equipa”. Este modelo democrático de governança tem sido essencial para a resiliência e sucesso da instituição ao longo dos anos.

 

 

 

 

 

Entre 2010 e 2022, enquanto muitos bancos comerciais reduziram o número de agências, a CCAMTV reforçou a sua presença, fortalecendo as relações com as partes interessadas (stakeholders) locais, incluindo empresas, associações e entidades públicas. Este esforço contínuo de construir confiança mútua é um dos pilares que sustentam a sólida posição da CCAMTV na comunidade.

Mais referiu que, em 2010, existiam 56 agências bancárias em Torres Vedras, sendo 16 da Caixa Agrícola Local. Em 2024, restam 26 agências, sendo que a Caixa Agrícola Local continua com as 16. E também criaram emprego com criação e difusão de talento.

No que toca à modernização tecnológica, a CCAMTV em colaboração com a DBS/Oracle está a implementar um novo sistema de gestão e informação (core bancário) visando melhorar a eficiência operacional. “O digital é uma evolução natural, mas deve incluir a humanização do digital”, afirma.

O ano de 2023 foi marcante para a CCAMTV, que atingiu o melhor desempenho financeiro da sua história. “A articulação de uma gestão sã, prudente e cuidada com o ambiente de taxas de juro mais elevadas permitiu um resultado líquido de 8,3 milhões de euros, um crescimento muito significativo face ao valor de 3,6 milhões de euros registados no ano de 2022”, realça o presidente.

A carteira de crédito da CCAMTV antes de imparidade cresceu 2%, atingindo 184 milhões de euros, enquanto os depósitos de clientes aumentaram 3,4%, totalizando 552,4 milhões de euros. Este crescimento resultou numa ligeira descida do rácio de transformação para 33,3%, permitindo um reforço de liquidez para apoiar o investimento, o consumo e o empreendedorismo na região de Torres Vedras. “Este aumento de liquidez implica o nobre desafio de identificar e valorizar projetos com criação de valor social e económico”, explica.

Além dos resultados financeiros, a CCAMTV distribuiu, com critério, na forma de patrocínio e donativos uma avultada verba a agremiações, clubes, escolas, IPSS e associações. “Reforçando o sentido desse compromisso, que não é proclamatório, mas que se concretiza com atos concretos em cada ano”, reforçou. Exemplos deste compromisso incluem o apoio para a vinda do filósofo Edgar Morin a Portugal e a realização da II Cimeira Internacional das Cooperativas de Língua Portuguesa em Torres Vedras.

Os capitais próprios da CCAMTV foram reforçados em 10,6%, totalizando assim 95 milhões de euros. O Retorno sobre o Património Líquido (ROE) aumentou para 8,7% e o indicador de solvabilidade, o rácio CET 1, subiu para 49,5%. “O banco continua a cumprir os seus requisitos de fundos próprios, sendo um dos melhores a nível nacional e mesmo global”, enfatiza. Para além disso, a CCAMTV investe em inovação. Existe uma parceria com a Universidade de Aveiro para desenvolver um algoritmo multiplicador-social, “que integra o nosso pricing”. Este projeto visa criar um programa que informe sobre o impacto social e económico dos investimentos realizados pela instituição. “Somos guardiões dos valores humanos e ambientais”, destaca Manuel Guerreiro.

Para o presidente, a supervisão regulatória rigorosa não é vista como um obstáculo, mas como uma vantagem que fortalece as instituições locais. “Para uma entidade financeira local da nossa dimensão, posso assegurar que os nossos rácios financeiros estão ao nível dos melhores desempenhos nacionais”, afirmou, destacando as métricas como o rácio de eficiência, rácio de alavancagem e rácio Core Tier 1 como indicadores do desempenho robusto da CCAMTV.

Sobre a União Bancária Europeia, expressou que esta deve saber acautelar e defender as LSI, nomeadamente as cooperativas de crédito. “Tendo em conta a natureza não sistémica destas instituições e a sua forte capitalização local. Estamos alinhados com os objetivos bancários.”

A entrada de uma geração jovem no Crédito Agrícola é vista com otimismo, destacando a importância da educação financeira e do empreendedorismo social. “Estamos a implementar programas inovadores nas escolas locais em colaboração com as universidades para envolver os jovens”, revelou. Este investimento na formação das novas gerações inclui a adaptação a tecnologias, como apps e cartões pré-pagos, que facilitam o acesso dos jovens a serviços financeiros de forma prática e segura.

Num momento em que a consolidação bancária se tornou uma prática comum, o presidente defende uma abordagem distinta para as cooperativas de crédito que, pela sua natureza, não são consolidáveis sem perderem a essência que lhes deu causa. E, esta necessidade profunda foi a raiz do seu sucesso (sustentabilidade económica), enfatizando a proximidade e a identidade comunitária das instituições financeiras cooperativas. “Quando uma entidade da banca cooperativa considera que para ganhar dimensão e escala precisa de incorporar outra instituição similar num território contíguo, perde-se a identificação com a sua comunidade”. A realidade criada transforma-se noutra “coisa” mas que nada tem a ver com o cooperativismo de crédito de base e identidade local.

Ao discutir a relevância dos organismos centrais no contexto das cooperativas de crédito, o presidente lembrou a experiência holandesa. “Na Holanda, havia uma proliferação de pequenos bancos cooperativos (1200 para metade do território nacional) que enfrentaram desafios significativos de capitalização nas décadas de 1970 e 1980. Isso levou à criação de organismos centrais para partilhar riscos e capitalizar as cooperativas, sendo que houve o cuidado de reforçar o modelo de Governance que promove uma efetiva capacidade de monitorização nas entidades locais. Deste modo, é na autoridade destas entidades locais que assenta a delegação de poder nos órgãos de gestão executiva”.  As fusões, os organismos centrais ou os sistemas de proteção institucional só surgem por força de coordenação na mitigação de problemas. As cooperativas de crédito com cultura de risco e, em regra, capitalizadas, têm liquidez e modelos de negócio e de Governance sustentáveis. Assim, em regra, não necessitam de engenharias complexas financeiras para tentar justificar o ganho artificial de dimensão. A sua essência, ou a sua vocação, é o seu concelho ou município. Atuam, de modo simples, eficaz, ou seja, sério, executam as tarefas de crédito e de poupança, e, ainda, de pagamentos, tal como todos os outros bancos.

Em Portugal, um cenário semelhante ocorreu com muitos bancos cooperativos que criaram, no virar do século passado, organismos centrais, essencialmente, pela procura de instrumentos quantitativos, designadamente a ponderação de rácios como aqueles que têm que ver com o capital. Consequentemente, tenderam a forçar a partilha de responsabilidades e garantias, o que aumentou o risco operacional, dado que o balanço adquiriu complexidade. No entanto, como tudo, a prática sugere uma análise cuidada dos custos associados a estas construções, como a perda de autonomia e transparência. “As cooperativas, que passam a ser semelhantes a sociedades anónimas, introduzem novos riscos”, observou.

 

 

António José dos Santos e Manuel Guerreiro

 

 

Manuel Guerreiro expressou, neste contexto, preocupações quanto ao assumir de risco desadequado à natureza local que deu origem à atividade. A necessidade de mutualização desproporcionada (à sua dimensão e estrutura de propriedade), através da constituição de organismos centrais ou sistemas de proteção institucional para todas as cooperativas, pode levar a consequências desastrosas que a crise de 2008, entre outras, evidenciou. Um exemplo disso é a Banca Cooperativa na Hungria, que se transformou numa sociedade anónima e que, posteriormente, foi entregue a um oligarca e enfrenta hoje problemas de sustentabilidade do seu modelo de negócio.

Destacou ainda os desafios específicos enfrentados pelo setor bancário em Portugal, incluindo a necessidade de mais capital nacional. “Decisões significativas de crédito são frequentemente tomadas em Espanha, o que representa um risco substancial para a atividade empresarial nacional”, afirmou.

Em Portugal, o número de instituições bancárias diminui todos os anos, em contraponto a outros países europeus em que existe um ambiente mais favorável. “Em Espanha e nos países bálticos, por exemplo, novos bancos continuam a surgir”, comentou.

O modelo de negócio cooperativo é dos melhores do mundo, desde que respeite a lei, tenha liderança, carácter, honestidade e dignidade. Os líderes cooperativos não existem para fazer o que  “alguns” cooperados querem, mas para fazer, em conjunto com os cooperados, aquilo que tem de ser feito. Portanto, tem de existir governança, gestão com fundamentos éticos e modelos de risco de negócio robustos, só assim o longo prazo prevalece sobre o curto prazo. Os sete princípios cooperativos continuam a ser objeto de apropriação pelas grandes corporações que as introduzem no seu modelo de negócio.

O ano de 2025 foi decretado pelas Nações Unidas como o Ano Internacional das Cooperativas. Em Portugal, existem cerca de 70 mil entidades com esta natureza. No mundo, 1 em cada 8 pessoas está ligada a uma cooperativa. As 300 maiores cooperativas valem 7 vezes mais do que a Walmart. Os países onde o cooperativismo tem maior representatividade em termos de atividade económica são o Canadá (Québec 75%), França 70%, Holanda 65%, Alemanha 45%, Estados Unidos 35%, Japão 35%, Índia com 240 milhões de cooperantes e a China com 200 milhões.

Concluindo, Manuel Guerreiro reiterou a posição da CCAMTV de manter a sua independência e foco local. “O nosso modelo baseia-se em valores de individualidade e proximidade com a comunidade, contrariando tendências isomórficas que levam à homogeneização. Valorizamos a nossa autonomia para atrair novos associados, clientes e inovação”.

You may also like...

This will close in 0 seconds