A paixão pelo mundo dos vinhos

Leonor Freitas, Diretora

A marca de vinhos Ermelinda Freitas é facilmente reconhecida pelo público português. O que muitos desconhecem, é o rosto que está por detrás da mesma, Maria Leonor Campos, que “bebeu” da família todos os ensinamentos.

Quando descobriu a paixão pelo vinho?

A minha paixão pelo campo e pelas vinhas surge desde que me lembro da minha existência, pois nasci e cresci no mundo rural. Todas as minhas brincadeiras de criança consistiam em imitar o que os mais velhos faziam, sobretudo, nas vinhas. Aprendi muito cedo como trabalhar a terra e as vinhas. O meu relacionamento com os colaboradores da família era permanente, estava sempre com eles. Saí para poder estudar, mas os meus fins de semana e férias eram passados em Fernando Pó.

A paixão pelo vinho voltou a despertar quando optei por assumir a Casa Ermelinda Freitas, devido à morte do meu pai. Até aí, trabalhei fora, numa área completamente distinta. A minha licenciatura em Serviço Social permitiu-me trabalhar como técnica superior do Ministério da Saúde.

A infância marca-nos para toda a vida, e com a morte do meu pai, por não ser capaz de vender o negócio de família, devido ao amor e afeto que tinha, voltei e tive a consciência da verdadeira paixão pela vinha e pelo vinho. Esta levou-me a plantar novas vinhas, novas castas, construir uma nova adega, criar marcas de vinho, pois a família vendia toda a produção a granel (sem marcas). Nunca mais parei, corremos o mundo, fomos a todos os mercados internacionais, investi o que tinha e não tinha, uma verdadeira opção de vida que só é possível com uma grande paixão por aquilo que fazemos.  Como tal, a minha grande afirmação é fazer cada vez melhor, uma vez que, neste momento, também tenho um grande reconhecimento para todos os meus colaboradores e, sobretudo, para com os consumidores que acreditam em mim. Todos os dias agradeço à família que tive, simples, trabalhadora, honesta, que me passou valores morais e sociais, que ainda hoje pautam a minha vida. O sector do vinho é um sector com vida, em que temos que viver e lutar com as condições climatéricas que não controlamos, mas todas estas adversidades trazem grandes compensações, de poder ultrapassar dificuldades e arredondar os espinhos para podermos conviver e partilhar diariamente o nosso produto que, bebido com moderação, faz parte de uma alimentação saudável. É com o vinho que se celebra uma missa, uma festa, um bom negócio, e eu celebro a minha vida que não posso deixar de dizer, é muito trabalhosa, mas muito cheia e enriquecida por estas emoções. Uma garrafa de vinho é muito mais do que um simples vinho, contém o trabalho das pessoas, o amor e dedicação à terra, o sacrifício, mas também a paixão de ver nascer e criar um bago de uva que resulta nestes vinhos que tantos prémios nos têm comtemplado.

 

Que formação tem nesta área e quais as suas primeiras experiências?

A minha primeira “formação”, como já referi, aconteceu naturalmente, ao acompanhar, desde sempre. os meus pais e da convivência com os seus colaboradores que tanta experiência e saber tinham. Sempre gostei de ouvir, desde pequena, as conversas sobre a paixão que tinham pela terra, pela vinha e pelo vinho. Quando vim assumir a Casa Ermelinda Freitas, tinha a formação da afetividade da família, tendo, depois, feito pequenas formações para saber a linguagem da área e poder compreender o que os técnicos me diziam. Posso afirmar que, acima de tudo, o conhecimento foi passado pela família que tive, e pela luta que mantive com toda a paixão e amor para dar continuidade ao que a família tinha, tendo a certeza que não sabia e que tinha de procurar quem sabia.

 

O que queria ser em criança? Aproximava-se desta área?

Em criança, o meu exemplo de maior sabedoria era a minha professora primária e, talvez por isso, o meu primeiro desejo era ser professora. Esta vontade foi-se alterando à medida que fui saindo de Fernando Pó e entrei em contacto com outros saberes.

A dada altura, quis ir para o curso de Regente Agrícola, mas aí houve uma voz que falou mais alto, a do meu pai, que dizia que não era um curso para uma menina e que eu tinha de continuar a estudar, pois era boa aluna.

 

Quais as primeiras experiências no mercado de trabalho? O que guarda desses tempos? Quais os projetos mais relevantes até ao momento?

Não posso deixar de referir o trabalho enquanto Técnica Superior de Serviço Social, na Administração Social de Saúde, onde trabalhei em equipa, com médicos, enfermeiras, nutricionistas, sociólogas, psicólogas, tendo coordenado a educação para a saúde no distrito de Setúbal. Nunca mais me irei esquecer da experiência tão enriquecedora que foi trabalhar em equipa e o grupo de amizade criado, bem como tudo aquilo que eu aprendi, recebi e transmiti outros saberes. Ainda hoje relembro com saudade…

Tenho a referir que a minha realização pessoal, familiar e profissional, concretizou-se na Casa Ermelinda Freitas que foi, é e será um desafio permanente. Criar um projeto, reciclá-lo, melhorá-lo e ter a colaboração de várias pessoas e da família atual, é algo extremamente enriquecedor. Poder viver com a natureza, tirar partido dela, e todos os dias lutar para fazer melhor e perceber o outro, tem sido a grande aprendizagem da Casa Ermelinda Freitas. Existe também uma grande compensação e autoestima por ser capaz de fazer mais do que pensava e, desta forma, lutar para que o meio rural seja reconhecido, poder dignificar Fernando Pó, local onde a Casa Ermelinda Freitas se situa, e de onde sou natural, podendo assim também ajudar a dar visibilidade aos vinhos da Península de Setúbal, de modo a que possam ser cada vez mais reconhecidos pela sua qualidade, envolvendo, assim, forçosamente, as gentes que o trabalham.

Sem dúvida que o maior projeto da minha vida é a Casa Ermelinda Freitas.

 

Tem alguma referência (na vida profissional)? Porquê esse nome em específico?

Os meus pais: Manuel João de Freitas Júnior e Ermelinda Do Rosário Pires, pessoas que muito trabalharam, tendo apenas a quarta classe. Ainda assim, demonstraram uma inteligência emocional enorme em querer que eu, a sua única filha, saísse do mundo rural para adquirir outros conhecimentos.

Qual o maior erro que já cometeu? E o que aprendeu com isso?

Com muita modéstia, não me consigo lembrar dos erros. Sou muito honesta comigo própria, estando sempre na luta do futuro e constante melhoria do mesmo. Sinceramente, não consigo lembrar-me de nada que tenha sido grave, e de que me arrependa.

 

Até ao momento, qual o grande desafio da sua carreira?

Foi ter a noção de que, quando vim para a Casa Ermelinda Freitas, havia coisas que eu não sabia. Tive que procurar as pessoas certas, sendo que, ainda hoje, são meus colaboradores.

 

Quais as maiores dificuldades em conciliar a vida familiar com trabalho?

A minha maior preocupação foi ser boa mãe! Mas, olhando para trás, com organização e com a ajuda do meu marido que sempre me apoiou, foi relativamente fácil conciliar o trabalho com a família. Todos ao meu redor perceberam que eu estava focada no que queria fazer. Quando sabemos o que queremos, para onde vamos e onde nos encontramos, tudo é possível. Hoje, orgulhosamente, digo que a quinta geração já se encontra a trabalhar na Casa Ermelinda Freitas. Claro que isto é algo a que se chama muito trabalho.

 

Qual o seu grande sonho nesta área?

O meu grande sonho é continuar a evoluir, divulgar a Península de Setúbal e os vinhos de Portugal, conseguir passar aos meus filhos o testemunho que a minha família me passou, valores económicos, morais e sociais.

 

Quais os seus hobbies?

O maior hobbie é trabalhar! Mas gosto muito de viajar, conviver e, sobretudo, amo a praia, onde gosto de nadar.

 

Qual o melhor vinho que já bebeu até hoje?

São tantos que sou incapaz de referir um. Depende tanto do que cada um acha um bom vinho, da companhia, da comida, do nosso humor na altura, enfim, existem muitos bons vinhos em Portugal, onde eu incluo alguns da Casa Ermelinda Freitas. Se me perguntarem qual o vinho com mais afeto, tenho que ser sincera, é o Dona Ermelinda, que é uma homenagem ao nome da minha mãe e ninguém pode levar a mal, sendo que o vinho é bom!

 

Uma experiência que não esquece?

Há um momento que foi marcante na minha vida, logo no início, quando vim para a Casa Ermelinda Freitas, fui à feira de Bordéus para visitar as vinhas, conhecer outra realidade e ter contacto com as novidades. Aí, percebi que não estava a valorizar o negócio que tinha, pois, em Bordéus, o vinho era tratado como uma joia. Na altura, ainda vendia vinho a granel e esta viagem foi de tal maneira forte que vim consciente que tinha de criar marcas, identificar com a tradição que a família tinha deixado e dignificar algo que, quando bebido com moderação, é único: o vinho. Esta experiência levou-me a pensar numa nova adega, numa nova maneira de estar e, claro, começar as primeiras marcas onde se incluí o Dona Ermelinda.

 

Um olhar sobre o mercado português dos vinhos?

Portugal tem melhorado muito na enologia e, agora, também na viticultura. Só se pode fazer bons vinhos com boas uvas. Mas, hoje, é com orgulho que vamos a feiras internacionais e, provando os vinhos de outros países, chegamos à conclusão de que não estamos atrás de ninguém, cada país possui as suas características. Portugal tem muitos bons vinhos, ainda por cima, falamos de um país pequeno, mas com tanta variedade, que possui uma riqueza enorme e única. Apenas falta uma coisa, ser reconhecido e valorizado como merece no que se refere à grande qualidade que tem. Todavia, estamos num bom caminho. Tenho muita esperança na nossa região, a Península de Setúbal, bem como na dignificação dos vinhos de Portugal.

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