As perturbações de saúde mental na infância apresentam uma prevalência crescente e constituem uma prioridade de saúde pública. Este artigo descreve os sinais clínicos de alerta, a importância da deteção precoce, as barreiras persistentes nos contextos familiar e escolar e as estratégias terapêuticas baseadas na evidência. Inclui ainda dados epidemiológicos recentes que reforçam a necessidade de políticas intersetoriais de apoio.
Epidemiologia
Estima-se que 8 % das crianças e 15 % dos adolescentes em todo o mundo experienciem uma perturbação mental num dado momento (1). Globalmente, cerca de 1 em cada 7 jovens (10-19 anos) apresenta um quadro clínico relevante, representando aproximadamente 13 % do encargo global de doença nesta faixa etária (2).
Um estudo recente estima que 11,6 % dos jovens com idades entre 5-24 anos sofreram pelo menos um transtorno mental em 2019, com maior prevalência de perturbações de ansiedade e do humor, que acumulam 20,2 % dos anos de vida saudável perdidos (YLD) (3).
Dados nacionais apontam que 20 % das crianças e adolescentes portugueses apresentam uma perturbação mental (4). Adicionalmente, 31 % dos jovens relatam sintomas depressivos moderados ou graves (4). Sabe-se ainda que 50 % das perturbações mentais diagnosticadas em adultos têm início antes dos 14 anos (5).

Sinais clínicos e perturbações mais prevalentes
A identificação precoce é frequentemente dificultada pela dificuldade das crianças em expressar sintomas. Os sinais clínicos incluem alterações emocionais persistentes (tristeza, ansiedade, irritabilidade), queda no rendimento escolar, queixas somáticas sem explicação médica, isolamento social e verbalizações negativas sobre si próprio.
A primeira infância (0-6 anos) é uma janela crítica. As perturbações mais prevalentes incluem:
A persistência dos sinais por mais de três semanas, com impacto funcional relevante, justifica avaliação especializada.
A importância da deteção precoce e do diagnóstico atempado
A deteção precoce potencia a eficácia terapêutica e previne desfechos adversos (6,7):
- Reduz a gravidade das perturbações e evita complicações secundárias.
- Promove melhor evolução em termos académicos, emocionais e sociais.
- Facilita o alinhamento das estratégias entre família, escola e profissionais de saúde.
Barreiras
- No contexto escolar: falta de formação especializada, turmas numerosas, escassez de psicólogos, receio de “rotular” (6).
- No contexto familiar: desvalorização dos sinais iniciais, medo do diagnóstico, desconhecimento dos recursos disponíveis e limitações socioeconómicas (7).
Intervenções baseadas na evidência
A intervenção deve ser multidimensional, precoce e individualizada:
- Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) adaptada à idade, eficaz em perturbações de ansiedade, depressão, PHDA e regulação emocional.
- Programas parentais estruturados, como Incredible Years ou Parent Management Training.
- Terapias de integração sensorial e expressivas (arte, música, movimento).
- Intervenção precoce multidisciplinar com psicólogos, terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais e educadores.
- Neuromodulação não invasiva, incluindo Neurofeedback e Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS), como abordagem complementar segura, com benefícios na atenção, autorregulação e impulsividade (8,9).
Critérios de qualidade: definição de objetivos clínicos claros, articulação intersetorial, monitorização sistemática e valorização dos recursos familiares.
Papel da família, escola e profissionais de saúde
A cooperação entre estes contextos é determinante:
- A família deve comunicar regularmente com a escola, aplicar estratégias terapêuticas em casa e garantir consistência nas rotinas.
- A escola deve proporcionar um ambiente seguro e estar atenta a sinais precoces.
- Os profissionais de saúde devem envolver ativamente cuidadores e professores no processo terapêutico.
Esta articulação cria uma rede de suporte que aumenta as hipóteses de evolução positiva (10).
Considerações finais
A saúde mental infantil é determinante para o desenvolvimento e a qualidade de vida futura. Dados recentes mostram que o início precoce das perturbações reforça a urgência da deteção precoce e do acesso a cuidados especializados.
Mensagem-chave: Cuidar da saúde mental infantil é cuidar do futuro da sociedade. A criação de redes integradas de apoio, aliando diagnóstico atempado e intervenções baseadas na evidência, é fundamental.
Referências
- World Health Organization. Improving the mental and brain health of children and adolescents. WHO; 2023. 2. World Health Organization. Adolescent mental health fact sheet. WHO; 2023. 3. Kieling C, et al. Global prevalence of mental disorders in children and youth: 2019 estimates. Lancet Psychiatry. 2024;11(1):1-12. 4. Direção-Geral da Saúde. Saúde mental das crianças e jovens em Portugal. Lisboa: SNS; 2023. 5. Fundação Calouste Gulbenkian. Saúde Mental Infantil: Acesso a cuidados. Lisboa; 2023. 6. Polanczyk GV, et al. Barriers to early detection of child mental disorders. J Child Psychol Psychiatry. 2022;63(6):602-12. 7. Paiva C, et al. Barreiras familiares ao diagnóstico precoce em saúde mental infantil. Rev Port Pediatria. 2023;54(3):198-205. 8. Coben R, Myers TE. Neurofeedback for children with ADHD. J Atten Disord. 2022;26(4):377-89. 9. Mattai A, et al. tDCS in child and adolescent psychiatry. Child Adolesc Ment Health. 2023;28(2):91-100. 10. Weare K. Promoting mental health through schools: evidence and opportunities. WHO Eur J Public Health. 2022;32(1):14-21.