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É tempo de reconhecer o papel central dos Enfermeiros na sustentabilidade do sistema de saúde!

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Aproximamo-nos do fim de 2025, mas ainda com o setor da Saúde doente em Portugal – mais do que uma fase de balanços, esta é a altura de olhar para o ano que ficará registado como um dos mais intensos e decisivos para a enfermagem portuguesa.

Foi um período marcado por reivindicações firmes, negociações exigentes e uma crescente mobilização nacional para defender a dignidade profissional dos Enfermeiros. No centro deste movimento, a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) assumiu um papel determinante, consolidando-se como voz crítica, presente e combativa na defesa dos direitos da classe. Entre desafios persistentes e algumas conquistas relevantes, 2025 marcou uma viragem que importa analisar.

 

Lúcia Leite, Presidente da Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros

 

A escassez de Enfermeiros continua a ser, mais uma vez, um tema incontornável. A saída contínua de Enfermeiros para o estrangeiro e para o setor privado acentuou um problema que deixou de ser conjuntural para se tornar estrutural no Serviço Nacional de Saúde (SNS). A falta de condições salariais e de progressão, aliada à instabilidade nas contratações, continuou a empurrar centenas de profissionais para fora do SNS.

Este fenómeno tornou-se tão expressivo que começou a impactar diretamente o funcionamento diário das unidades de saúde, com serviços pressionados, equipas “à beira de um ataque de nervos” e dificuldades crescentes em assegurar cuidados de enfermagem aceitáveis. A ASPE manteve este problema na linha da frente da discussão pública, lembrando que nenhum sistema pode sobreviver continuando, diariamente, a perder Enfermeiros, aqueles profissionais que asseguram cuidados 24 horas por dia.

O estado de emergência a que chegou o SNS não é resultado das políticas recentes, era previsível e é consequência de anos de desinvestimento, da falta de planeamento e da ausência de políticas eficazes de valorização dos profissionais de saúde, sobretudo dos Enfermeiros.

No plano laboral, 2025 foi marcado por um ciclo intenso de propostas, contrapropostas e momentos de tensão. A revisão das carreiras, a estagnação salarial e a necessidade de corrigir o sistema de avaliação de desempenho que muitos Enfermeiros consideram injusto, estiveram no centro das reivindicações da ASPE junto da tutela, tendo em conta que a atual estrutura salarial continua desfasada da realidade das responsabilidades, da qualificação académica e da complexidade técnica da profissão.

Ao longo de 2025, insistimos que a valorização dos Enfermeiros não pode ser simbólica: exige uma revisão séria dos índices remuneratórios por categoria, o reconhecimento integral do tempo de serviço e a eliminação das injustiças acumuladas ao longo de anos de congelamentos e omissões. Ao reivindicar uma tabela que reflita a diferenciação crescente dos Enfermeiros – desde especialistas a gestores – a ASPE sublinhou que o futuro do SNS depende de carreiras que motivem e fixem profissionais. A discussão ganhou corpo ao longo do ano e tornou-se uma das bandeiras mais mobilizadoras da classe.

A proposta de Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) apresentada pelo Ministério da Saúde – que eliminava a jornada contínua como regra, introduzia o banco de horas e flexibilizava horários – foi recebida com forte rejeição pela classe. A ASPE manteve uma postura diferente, pois acreditamos que a regulamentação da organização do tempo de trabalho dos Enfermeiros é o caminho para evitar abusos resultantes do vazio legislativo. Garantir normas flexíveis e transparentes que assegurem o correto pagamento das centenas de milhares de horas extra realizadas pelos Enfermeiros anualmente, e condições de contratação adequadas às especificidades da profissão, é o caminho a seguir. Só um ACT pode regulamentar diversas modalidades de horário ajustadas aos contextos de trabalho dos Enfermeiros, ajustar benefícios, salários, períodos de descanso, condições de formação e de segurança no trabalho que dê flexibilidade aos empregadores, mas sobretudo opções e garantias aos Enfermeiros. É desta negociação que nasce um quadro transparente de relações laborais entre empregadores e trabalhadores, onde os direitos e os deveres de ambas as partes sejam respeitados e mais justo para todos.

A reorganização dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) foi outro desafio que marcou o ano. A proposta de permitir que Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica (EESMO) acompanhassem grávidas de baixo risco surgiu como resposta à falta de médicos de família e à necessidade de aliviar o sistema. A ASPE recebeu esta discussão como um começo tardio: os EESMO têm formação avançada e reconhecida no espaço europeu, conhecimentos técnicos e científicos, e desempenham um papel essencial na promoção da saúde da mulher, na vigilância da gravidez e no acompanhamento dos partos. São eles que sempre asseguram mais de 60% dos partos de baixo risco, sem necessitarem de supervisão ou dependência. Só uma mentalidade paternalista, ultrapassada e protecionista, que mantem o médico no centro do sistema e não o cidadão, mantém o SNS refém de interesses que impedem o aumento da eficiência e da acessibilidade a cuidados de saúde. Afinal, vigilância da gravidez é um processo de monitorização da evolução normal de um processo fisiológico, que se insere na promoção da saúde e prevenção da doença, por isso deveria ser realizada por um EESMO mesmo quando há médico de família atribuído!

O balanço de 2025 revela assim um setor em movimento constante, pressionado por problemas antigos, mas energizado por uma capacidade renovada de reivindicação. A ASPE fortaleceu a sua presença na esfera pública, reforçou a proximidade com os Enfermeiros e insistiu, ao longo de todo o ano, numa ideia essencial: cuidar de quem cuida é condição básica para que o sistema de saúde continue a ter futuro.

A resolução definitiva de muitos destes desafios permanece em aberto. O ano deixa, ainda assim, uma marca clara: a enfermagem portuguesa não está disposta a recuar. A determinação demonstrada este ano prepara o terreno para um 2026 que poderá ser de reformas estruturais, de avanços concretos e de afirmação plena do valor dos Enfermeiros na sociedade.

É tempo de reconhecer, com seriedade e coragem política, o papel central dos Enfermeiros na sustentabilidade do sistema de saúde público.

O país não pode continuar a depender da boa vontade dos seus Enfermeiros, e a ASPE continuará a desempenhar o papel que sempre reivindicou: o de guardiã da dignidade profissional e defensora permanente e acérrima de um SNS acessível, para todos, mais justo, seguro e humano.

 

 

www.aspe.pt

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