CASES : Reconhecer a economia social

Eduardo Graça - Presidente

A CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, tem como principais objetivos a promoção, dinamização, cooperação, qualificação e fortalecimento do setor da economia social, através de uma forte parceria e cooperação efetiva entre o Estado e as organizações pertencentes ao setor, assumindo a forma jurídica de ‘’cooperativa de interesse público’’.

Para que possamos contextualizar os nossos leitores, pedia-lhe que começássemos esta entrevista por fazer uma breve apresentação da CASES e quais os propósitos inerentes à sua criação.

A Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES) é uma entidade que resultou da transformação do INSCOOP, Instituto Publico criado, após o 25 de abril de 1974 e cuja ação era vocacionada para o setor cooperativo. Em 2010 o governo decidiu criar a CASES alargando o âmbito da sua atuação ao conjunto da economia social. Trata-se, pois, de uma parceria entre o Estado e as entidades de cúpula da economia social tendo como objetivo central a promoção deste setor. O princípio basilar em que assenta a economia social é o do predomínio da pessoa sobre o capital que enraíza numa tradição de auto-organização das pessoas para resolverem os seus próprios problemas, emanada e próxima das comunidades, em prol do bem comum.

Falemos agora especificamente dos programas da CASES.

A CASES tem, entre as suas atribuições e competências, responsabilidade e poderes de autoridade, no setor cooperativo e, mais recentemente, no voluntariado. No âmbito do cooperativismo é uma tradição que vem de longe, enraizando no pensamento e obra de António Sérgio, sendo certo que, apesar dos preconceitos que o rodeiam, o cooperativismo tem crescido nos últimos três anos, em particular, nos ramos da solidariedade social, serviços e cultura. O mais relevante programa sob gestão da CASES é o COOPJOVEM, programa que tem como público alvo os jovens NEET, ou seja, aqueles que não frequentam a escola, não frequentam cursos de formação e estão fora do mercado de trabalho. É o público alvo mais difícil de mobilizar e motivar e o programa COOPJOVEM tem como objetivo promover as condições para a criação de cooperativas por jovens nestas condições e, de forma mais geral, promover o seu regresso à escola ou ao mercado de trabalho.

No que respeita ao voluntariado, competência da CASES, formalmente desde abril de 2017, é a de contribuir para a recriação de uma politica pública na área do voluntariado não certamente destinada a substituir as entidades da sociedade civil que trabalham nessa área, de forma séria e continuada, mas a de criar dispositivos e medidas que incentivem e apoiem  o desenvolvimento do voluntariado, nas suas diversas facetas, promovendo um debate alargado para a modernização da sua legislação de enquadramento. A CASES dispõe ainda, entre outros, da gestão do Programa Nacional de Microcrédito (PNM).

Que balanço faz destas medidas?

Todos os programas, e medidas, de que a CASES é responsável estão em curso de execução embora em fases diferentes de maturação e desenvolvimento. O balanço do ano de 2017 far-se-á até ao final e março de 2018 e estamos seguros que será, com suas virtudes e defeitos, amplamente positivo. Somos uma pequena organização que se aproxima do modelo de “equipa de projeto” mais do que do modelo de “organização baluarte”, competindo-nos com prioridade, em todos os momentos, face à maioria dos desafios com que somos confrontados e responsabilidades que nos competem assumir, ser capazes de exercer, em continuidade e com previsibilidade, o papel de mediadores entre as entidades da economia social, e entre estas e os poderes públicos, incluindo, em primeira linha, o governo. Com descrição, respeito pela autonomia das entidades e o máximo de eficácia possível.

A aproximação dos jovens a atividades desta índole é cada vez mais frequente?

Os jovens estão presentes, ao contrário do que muitos pensam, nos trabalhos das entidades da Economia Social, quer como trabalhadores, quer como dirigentes, utentes, voluntários …, mas, paradoxalmente, a economia social não está presente na escola, nem no plano curricular nem, de forma significativa, sob qualquer outra forma. É uma flagrante falha, não da economia social, mas da politica pública de educação. Ao contrário de outros países da UE como, por exemplo, a Espanha, a educação da juventude no nosso país não integra, de forma estruturada e sistemática, a aprendizagem dos valores, princípios e práticas do associativismo, sob as suas diversas formas, incluindo a cooperativa, nem assinala as vantagens do trabalho coletivo (não confundir com coletivismo), mantendo-se a predominância, na formação básica e secundária, salvo raras e honrosas exceções, do individualismo egoísta eventualmente, por vezes, sob a capa de um modismo designado por empreendedorismo sem desdouro pelo verdadeiro, e imprescindível, espirito de iniciativa empreendedora. Há que trabalhar para que, conforme as regras do debate democrático, se encontrem os melhores caminhos para valorizar o associativismo livre sob cujos princípios se estruturam, de verdade, as sociedades democráticas.

Existe, efetivamente, economia social em Portugal?

A importância do setor da economia social, para além da sua consagração constitucional, sob a designação de “setor cooperativo e social”, foi revelada, de forma credível, através de duas contas satélites da economia social, elaboradas pelo INE e pela CASES, com dados de 2010 e 2013. Este instrumento estatístico, oficial e certificado pelo INE e pelo Eurostat, permite verificar a existência de mais de 60 000 entidades da economia social e a capacidade de resiliência deste setor face à crise. O setor entre 2010 e 2013, em pleno período de crise, cresceu em quantidade, criou mais emprego e acrescentou mais valor.

Do ponto de vista jurídico existem, no conceito europeu, quatro grandes categorias de entidades na economia social: cooperativas, mutualidades, associações e fundações. Em Portugal avultam dois tipos de entidades específicas próprias da nossa realidade histórica, as IPSS s. e as Misericórdias, estas com 520 anos de existência. As Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), que desenvolvem a sua atividade na área social, possuem um estatuto que é atribuído a uma parte das associações, das fundações, das cooperativas, mas também, a todas as misericórdias e mutualidades.

A Economia Social em Portugal é um setor muito relevante, em particular, no que respeita ao emprego. De fato a Conta Satélite da Economia Social revela, com dados de 2013, que o setor representa 6% do emprego remunerado a tempo completo, o segundo setor de atividade económica, logo a seguir à Construção, que mais emprego cria no país. Isto é muito relevante, mas Portugal ainda está abaixo da média europeia, o que quer dizer que este setor tem um grande potencial de crescimento. Representa, por outro lado, 2,8 por cento do Valor Acrescentado Bruto (VAB), o que é significativo na criação de riqueza nacional.

O que é necessário mudar?

As mudanças no setor da economia social em Portugal têm vindo a ganhar fôlego desde 2010, com a criação da CASES e do Conselho Nacional da Economia Social (CNES) sendo assinalável, no decurso de 2017, a realização do Congresso Nacional do setor que conduziu à criação de uma entidade confederal representativa do setor da economia social, fazendo surgir no plano institucional uma “voz única”, com salvaguardada da autonomia e identidade das entidades que integrem a Confederação. Este é o acontecimento de mudança mais importante para a economia social portuguesa nos últimos decénios que, por outro lado, criará condições para outras mudanças em que avulta a necessidade de, em simultâneo, aceder à concertação social e promover a profissionalização mais alargada das entidades do setor. De facto, foi assinado, no passado dia 14 de novembro de 2017, na sessão final do Congresso Nacional da Economia Social, um compromisso para a criação dessa Confederação, até ao final de março de 2018, pelas duas Confederações Cooperativas (CONFECOOP e CONFAGRI), Confederação das IPSS s (CNIS), União das Misericórdias, União das Mutualidades, Centro Português das Fundações, ANIMAR e Confederação das Coletividades de Cultura Recreio e Desporto).

Os portugueses estão mais solidários?

Os portugueses são solidários perante grandes desafios e têm manifestado essa solidariedade, de forma publicamente notória, face a desastres que afetam de forma profunda as nossas comunidades. Mas a medida da solidariedade é difícil de alcançar pelos métodos tradicionais e tenho como certo que, além da solidariedade individual, praticada no seio da família e das comunidade, a mor parte das vezes de forma anónima, é ao Estado que compete criar e manter dispositivos, mecanismos, programas e medidas que possam, ao mesmo tempo, incentivar a auto organização dos cidadãos para a defesa do bem comum e prestar diretamente apoio solidário aos cidadãos em todas as situações de estado de necessidade. É sempre o debate acerca do Estado social, sua natureza e papel na sociedade que está presente quando se aborda este tipo de questões.

“O futuro da CASES passa pelo seu passado”. De que forma?

Todas as organizações ancoram a sua ação num continuum e só têm futuro se forem capazes de dar respostas competentes aos desafios do presente, com respeito pelo seu passado. A CASES, em duas palavras, tem como vocação de futuro contribuir para abrir caminho, através do pensamento, ação e mediação, para a criação e desenvolvimento de uma economia do bem comum, centrada nas pessoas e não no capital.

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