A hora da indústria
A indústria portuguesa foi bastante afetada pela pandemia, sobretudo devido à quebra da procura externa. O volume de negócios baixou 10,9% em 2020, uma redução bastante mais acentuada do que a do ano anterior (-1%). Todavia, o indicador de confiança da indústria chegou a +1,7 pontos em maio último, o que indica que os empresários e gestores do sector fazem uma avaliação positiva da evolução da atividade industrial. Acresce que a produção industrial portuguesa registou, em julho de 2021, uma variação mensal de +3,5%. Tratou-se da 3.ª variação mais alta da UE face ao mês anterior, embora Portugal tenha sido o único Estado-membro a registar uma queda homóloga (-0,1%). Ainda assim, a indústria nacional parece estar a recuperar sustentadamente e há sectores cujas exportações podem, não só superar os resultados anteriores à crise sanitária, como atingir recordes históricos. Falo, por exemplo, dos setores da metalurgia e do têxtil, que se aproximam de um novo máximo de vendas ao exterior. Aliás, entre janeiro e junho de 2021, as exportações portuguesas registaram um crescimento de 9,5%. Mais: no 1.º semestre de 2021, as vendas ao exterior (39,7 mil milhões de euros) representaram 38,2% do PIB, uma subida de 1,5% face ao ano completo de 2020. Parece-me, pois, que a recuperação económica do país no pós-pandemia passa em boa medida pela competitividade dos sectores transacionáveis, em particular da indústria transformadora.
Temos assistido, contudo, a um processo de desindustrialização das economias europeias, a que Portugal não escapou. À semelhança do que acontece nos restantes países da UE, a indústria portuguesa tem um peso no PIB inferior a 20%, quando nas décadas de 1970 e 1980 andava perto dos 30%. A partir dos anos 90 do século XX, acentuou-se a terciarização da economia nacional e houve uma contínua redução do contributo da indústria para o PIB, que estabilizou um pouco acima dos 10%.
Tudo isto para dizer que Portugal e a UE devem apostar na indústria transformadora como catalisador da retoma económica pós-pandemia. De resto, a crise sanitária expôs a forte dependência das economias europeias em relação às cadeias de abastecimento globais, muito centradas na Ásia. A necessidade da Europa se reindustrializar tornou-se assim ainda mais evidente, considerando as vantagens da diversificação dos centros de produção mundiais e da consequente reconfiguração das cadeias de abastecimento.
Bem sei que, apesar das expetativas de retoma mundial, a conjuntura não favorece o crescimento da indústria. O crescente custo das matérias-primas, da energia e dos fretes marítimos está a penalizar a atividade industrial na Europa e em Portugal, onde há setores com dificuldades para responder ao aumento das encomendas e que estão a abdicar das suas margens de lucro para segurarem a carteira de clientes. Não obstante todos estes obstáculos, é fundamental que não esmoreça na Europa e em Portugal a agenda da reindustrialização, consagrada quer no plano europeu NextGenerationEU, quer no PRR português. Uma Europa economicamente forte depende muito do reforço da sua produção industrial, da inovação incorporada nos seus produtos e da valorização das suas marcas.
A reindustrialização não se faz da noite para o dia, mas é preciso começar a criar as bases para que isso aconteça. Neste sentido, parece-me importante aumentar as competências tecnológicas na UE, investir na produção de matérias-primas e componentes intermédios (como os microprocessadores), melhorar a capacidade logística europeia e limitar as importações de países que não observam os padrões ambientais e sociais da Europa. No caso concreto de Portugal, é fundamental que os milhões da “bazuca” sirvam de facto para uma profunda transformação económica e social do país. Neste pressuposto, há que investir fortemente na indústria transformadora, de forma a consolidar os ganhos de competitividade internacional, intensidade tecnológica, capacidade de inovação e valor acrescentado alcançados nas últimas décadas.