A força de uma vida dedicada ao campo

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A agricultura é a base invisível que sustenta a nossa alimentação diária. Vítor Correia, com mais de 40 anos de experiência, partilha a sua história e desafios numa entrevista que revela a realidade do campo português. Hoje, gere a DVC Verduras do Oeste, empresa familiar dedicada à produção hortícola. Uma conversa sobre dedicação, resistência e esperança no setor agrícola.

 

Vítor Correia, Gerente

 

A agricultura é a base invisível que sustenta a nossa alimentação diária. Vítor Correia, com mais de 40 anos de experiência, partilha a sua história e desafios numa entrevista que revela a realidade do campo português. Hoje, gere a DVC Verduras do Oeste, empresa familiar dedicada à produção hortícola. Uma conversa sobre dedicação, resistência e esperança no setor agrícola.

Vítor recorda que a ligação à agricultura vem de muito antes de conhecer as formalidades do trabalho. “Comecei a levar isto a sério aos 14 anos, mas antes disso já estava sempre por perto”, conta, relembrando os primeiros passos ao lado do pai. A infância foi entre a escola agrícola e o campo, alternando teoria e prática: duas semanas de estudo e duas no plantio. O amor pela terra veio por osmose. O pai mostrava os caminhos, a importância de cuidar dos terrenos, das plantas e respeitar o ritmo da natureza. “Desde pequeno, o meu pai levava-me com ele, ainda antes de começar a escola primária. Acabei por ficar e gostar disto”, destaca Vítor.

De plantações a empresa consolidada

Oficialmente, a DVC Verduras do Oeste nasceu em 2013, mas as raízes são mais profundas. “O meu pai já trabalhava, mas não havia instalações. Fazia algumas coisas para o mercado”, explica. Com a entrada de Vítor a tempo inteiro, a produção cresceu e tornou-se necessário formalizar a atividade. Hoje, Vítor é o único responsável após a reforma do pai. Em 2023, a empresa foi distinguida com o selo PME Excelência, reconhecimento da sua gestão sólida e qualidade. Especializada em várias couves – com destaque para couve-flor e couve-coração – a DVC produz quase o ano inteiro, aproveitando o microclima favorável do Oeste. Mas as mudanças climáticas sentem-se, especialmente no verão, com escassez de calor e oscilações de temperatura que afetam a produção, principalmente da couve-flor, que não suporta humidade excessiva e variações bruscas. “Este ano correu mal. A produção baixou muito”, lamenta, mostrando como as alterações climáticas já são uma preocupação real.

 

 

A complexidade da gestão de terras

A DVC gere cerca de 70 hectares espalhados por várias parcelas, uma de 20 hectares, outras duas de 10 e várias menores. A dispersão encarece custos, aumenta a logística e dificulta a mecanização e a gestão da água para rega.

“Temos canalizações, bombamos a água com bombas, mas se fosse tudo perto, era metade do custo e do trabalho”, salienta Vítor. Além disso, há resistência, principalmente entre os mais velhos, em formalizar contratos de arrendamento. O medo de perder a terra impede muitos de ceder parcelas, e os jovens mostram menos interesse pela agricultura. Sem terra, não há produção. Sem produção, não há alimento.

Recursos humanos e rotatividade

Outro desafio é a mão de obra. Apesar de contar com alguns trabalhadores fixos, a empresa recorre frequentemente a trabalho temporário, o que implica um ciclo constante de formação e perda de pessoal. Vítor destaca que conta com um jovem da família, de 20 anos, que gosta do trabalho, e espera poder dar-lhe mais responsabilidades no futuro. A presença de trabalhadores estrangeiros, como um casal ucraniano e dois argentinos, é vital para necessidades sazonais. A rotatividade gera stress, pois é preciso ensinar sempre.

A época mais intensa é de setembro a fevereiro, e em abril começa a colheita. “Nunca temos um boom grande. Com dois ou três trabalhadores a mais, conseguimos gerir”, afirma.

Exigências do mercado

A DVC produz cerca de 2 milhões de plantas por ano, destinando 80% da produção a um único cliente, o grupo Estevão – Luís Salvador, que fornece grandes superfícies. Esta relação já dura quase há três décadas. Trabalhar com grandes clientes implica rigorosas exigências: certificações como Global GAP e GRASP, regras rígidas sobre resíduos e tolerâncias quase nulas para limites máximos de resíduos (LMR). “Mesmo que o produto tenha 0,5 de LMR autorizado, eles só aceitam 0,1. É quase resíduo zero”. Estas exigências elevam custos, forçando o uso frequente de produtos suaves. Muitas vezes, Vítor vende abaixo do custo real. A falta de apoios e a dificuldade de integrar organizações de produtores, pela dispersão dos terrenos, agravam a situação.

“O produtor tem toda a despesa e fica com a fatia menor”, revela Vítor. Esta frase resume a dura realidade: os agricultores suportam riscos e custos, com margens mínimas.

 

 

Diversificar para resistir

Num mercado exigente, onde o consumidor quer produtos quase “desenhados”, Vítor percebeu que resistir era inviável e apostou na diversificação.

A plantação de abóbora-manteiga, resistente ao calor e com bom armazenamento, é um exemplo, equilibrando a rotação do solo e distribuindo a mão de obra. “Serve para equilibrar a rotação e não depender só das couves”, evidencia o entrevistado.

Agricultura, sustentabilidade e tecnologia

A agricultura em Portugal enfrenta desafios: perda de autonomia alimentar em cereais e batata, necessidade de certificações rigorosas, aumento de custos e escassez de mão de obra. Vítor reforça que exige sacrifício e dedicação constante. “Quem quiser entrar tem de ter vontade e sacrifício. É privar-se de muita coisa. Horários sem descanso, disponibilidade constante e pouco tempo para a família”.

A tecnologia é a esperança. Vítor acredita que a mecanização, especialmente para colheitas, será vital num cenário de mão de obra jovem escassa. “Se não surgirem máquinas novas para colheita, vai ser difícil”, ressalta o entrevistado.

Agricultura como missão e legado

A vida de Vítor Correia é resiliência, adaptação e amor à terra. Desde pequeno, aprendeu com o pai e mantém a tradição, enfrentando desafios com coragem e visão.

“Isto não é uma fábrica. A natureza não para. É daqui que vem tudo. Alguém tem de fazer”. A agricultura moderna, na visão de Vítor, é equilíbrio entre tradição e inovação, paixão e esforço. Exige mais do que plantar, pede adaptação, perseverança e ligação profunda à terra e à comunidade. Mesmo com dificuldades, mantém esperança: com trabalho, visão e tecnologia, é possível semear um futuro sustentável para a agricultura portuguesa.

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