Um espaço pluridisciplinar de formação

Em entrevista à Revista Business Portugal, o Professor Álvaro Garrido, diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, falou-nos dos novos desafios que o ensino superior enfrenta, perante uma situação totalmente inédita na história recente da Universidade.

 

Álvaro Garrido, Diretor

Depois de perceber a real ameaça que enfrentamos, como se estruturou a FEUC?

Prestes a cumprir cinquenta anos de vida, a FEUC viveu durante os últimos meses uma experiência única, de grande dureza existencial, uma situação distópica. A suspensão das atividades académicas presenciais, decidida, e bem, pelo Reitor da UC a 9 de março, foi o início de um longo caminho cujas circunstâncias persistem em pleno mês de julho, dado que o risco de contágio da pandemia não consente, ainda, um regresso desprevenido ao ensino e avaliações presenciais.

A resposta da comunidade FEUC foi muito positiva. Quero destacar a generosidade e capacidade de adaptação dos docentes e dos estudantes a um ensino remoto ditado por condições de emergência para o qual ninguém estava preparado. Todos os professores trabalharam muito durante este semestre, foram mais professores do que investigadores, diversificaram os métodos de ensino, apelaram a metodologias participativas e procuraram garantir as aprendizagens com a solidez possível. Para uns foi uma experiência de empobrecimento pedagógico, para outros foi uma descoberta de métodos alternativos e de novas competências que não deixarão de ficar para o futuro próximo. Devo salientar que a taxa de assiduidade dos estudantes foi muito elevada, confirmando a coesão pedagógica da FEUC e a tradição que tem de oferecer uma qualidade de ensino apurada e bem apoiada pelos Serviços. A FEUC organizou-se bem organizando as aulas e demais atividades académicas à distância e limitando ao mínimo os serviços presenciais. O cumprimento rigoroso dos protocolos sanitários e recomendações da UC teve um balanço altamente positivo, mas ficou a memória de uma Faculdade sem alunos. Sem vida, sem ruído. Não gostaríamos de repetir.

 

O que julga ser necessário fazer, no sentido de auxiliar as Universidades portuguesas?

A Universidade enquanto instituição e player fundamental do desenvolvimento do país, foi um pouco esquecida nos debates sobre a contingência que surgiram na sociedade portuguesa e sobre os planos de recuperação a promover daqui em diante, nomeadamente sobre o plano de recuperação que esperamos da União Europeia. Como ponto positivo, destaco a boa resposta reativa e adaptativa que a comunidade académica conseguiu dar, dando prova de uma admirável flexibilidade e voluntarismo, e saliento o regresso, que se saúda, de alguns debates sobre filosofias de ensino e pedagogia universitária. Foi interessante, também, verificar que algumas instituições universitárias e do ensino politécnico ajudaram a construir soluções tecnológicas e outras para combater a pandemia. Mas essas foram as faces visíveis do impacto imediato da COVID e dos planos de contingência sobre a Universidade.

Menos visíveis e mais silenciosos foram os problemas sociais, económicos e humanos que muitos estudantes experimentam e começaram a viver devido às circunstâncias difíceis que a pandemia gerou. A curto prazo, há um problema grave de ação social – uma crise social, diríamos – nas populações de estudantes das Universidades públicas que exige mais financiamento público, programas de bolsas de estudo e outros dispositivos de combate às desigualdades de forma a combater o abandono escolar, o insucesso e a exclusão.

A curto prazo, vamos ter ainda um problema orçamental acrescido, dada a quebra que se regista na procura de cursos de pós-graduação, nomeadamente por parte de estudantes brasileiros, cuja situação económica é muito difícil, sobretudo devido à desvalorização do real relativamente ao euro.

 

Sendo a FEUC uma das unidades orgânicas da UC com maior tradição internacional e tendo a Covid-19 condicionado a mobilidade, como anteveem o próximo ano letivo?

Além do que referi, o processo mais ansioso que se vive nas Universidades reside no ansiado regresso ao ensino presencial, ainda que em condições restritivas e salvaguardando a saúde e segurança de todos.

Boa parte das Universidades portuguesas, e a UC em particular, estão organizadas para oferecer e praticar ensino presencial. Em meu entender, devemos ter algum sentido crítico e moderação relativamente a um certo encantamento com as vantagens do “ensino à distância”. Perde-se muito numa aula de ensino remoto relativamente ao que se ganha, ainda que esse balanço varie consoante as áreas e os interlocutores. Um bom professor, em cujas aulas os alunos gostam de estar e participar, beneficia imenso os estudantes se puder estabelecer um contacto físico na sala de aula. Mas também devemos evitar declarações demagógicas que tendem a reivindicar o regresso imediato ao ensino presencial tal como antes o fazíamos.

A nossa tradição de mobilidade de estudantes, nomeadamente no âmbito do programa Erasmus é efetiva. Em 2019 tivemos estudantes de mais de cinquenta países! Neste momento, as dificuldades de antever a realidade que teremos no próximo ano relativamente à mobilidade de estudantes ainda são significativas, mas os números que temos são mais positivos do que seria de esperar no contexto da pandemia.

 

A FEUC tem ainda uma forte aposta na relação entre o ensino, a investigação e o tecido social e empresarial da região. Que desafios esperam encontrar agora?

A FEUC cultiva um projeto de educação pública capaz de equilibrar as vertentes do ensino e da investigação. É fundamental saber manter esse equilíbrio.

Temos uma ligação muito forte com dois centros de investigação que nos servem de lastro em matéria de investigação: o Centro de Estudos Sociais, liderado pelo Professor Boaventura de Sousa Santos, e o CeBER, liderado pelo Professor Luís Dias. Neste momento, estamos a robustecer uma série de dispositivos de reforço da nossa intervenção no território (a região centro) e de interação das empresas, nomeadamente através da APEU (Associação para a Extensão Universitária), da rede de parceiros FEUC e dos programas de mentoring. De forma a potenciar a nossa rede de antigos estudantes com posições de destaque no mundo profissional e na atividade económica, vamos lançar o programa “Na Pegada da FEUC”. Estamos a criar dinâmicas interessantes e mais afirmativas.

You may also like...