Abriu durante a pandemia, no coração de Matosinhos, o restaurante Temperos da Zezinha, que nasceu da vontade de preservar uma tradição culinária autêntica, construída a partir das memórias, dos sabores e da dedicação de uma vida inteira. À frente da cozinha está a Zezinha, transmontana de gema, apaixonada pela cozinha desde sempre, e ao seu lado, o filho Jorge, com quem partilha uma filosofia de vida e de cozinha.
A paixão pelo ato de cozinhar nasceu cedo, inspirada pelas avós e pela mãe, e consolidou-se profissionalmente quando trabalhou com chefs reconhecidos na cidade do Porto. “Quem me tira o meu fogão, tira-me tudo”, afirma Zezinha. Foi numa dessas experiências que, em jeito de teste, foi desafiada a fazer uma açorda. O prato conquistou os clientes habituais e mudou o rumo da sua vida: “Foi a melhor açorda que comemos nesta cidade”, disseram aqueles que provaram. Com anos de experiência, concursos, programas de televisão e um respeito inabalável pelos sabores tradicionais, Zezinha passou a dar nome e tempero ao espaço que hoje é ponto de paragem obrigatória para quem procura o verdadeiro sabor caseiro.
Uma ideia nascida à mesa, realizada durante a pandemia
O projeto nasceu num contexto difícil – a pandemia. “Tínhamos tudo pronto para abrir e, de repente, o país fechou”, recorda Jorge. Mas a ideia de criar o restaurante já vinha de trás, nascida de uma convicção simples: “A minha mãe cozinha muito bem”. Durante anos, em almoços de família ou convívios com amigos, a comida da Dona Zezinha era sempre elogiada – todos repetiam, todos elogiavam. E foi aí que surgiu a pergunta inevitável: “Porque não perguntar à minha mãe se ela estava na ideia de ter um lugar dela, onde ela própria geria a cozinha?”, questionou Jorge.
Sem hesitar, adaptaram-se ao formato de takeaway. A estratégia? Cozinha tradicional portuguesa, fiel aos sabores da infância: bacalhau à espanhola, arroz de cabidela, feijoada, arroz de tamboril, cabrito assado. As pessoas começaram a pedir e voltavam a pedir – pela comida, mas também pela relação direta, próxima, quase familiar.
Essa relação manteve-se até hoje. Muitos dos pratos da atual carta foram sugestões de clientes fiéis. A experiência foi-se moldando às vontades do bairro, aos gostos da vizinhança. “Criámos uma comunidade. Temos pessoas que vinham durante o confinamento e que continuam a vir, às vezes duas ou três vezes por semana”, destaca Zezinha.

Sabores com memória
O que distingue os Temperos da Zezinha não é apenas o sabor – é a emoção. “Um cliente disse-me que o arroz de polvo da minha mãe lhe fez lembrar o da avó. Saltou uma geração. Isso diz tudo”, conta Jorge. Para muitos, a comida da Zezinha desperta memórias e afeto. Não há truques de cozinha molecular, nem pratos pensados para fotografia. Aqui, cozinha-se como se cozinhava antigamente – com alho, loureiro, azeite, tomate refogado devagar, pimentos aos cubos. É a simplicidade com propósito.
Os pratos mais procurados? Arroz de polvo, arroz de tamboril, maçada de peixe, feijoada à transmontana, arroz de cabidela e cataplanas. A oferta não muda com a estação: “A pessoa vem com vontade de comer feijoada e não quer saber se é verão”, dizem. Por isso, os pratos são permanentes e muitas vezes acabam, porque a produção é limitada e feita na hora.
Tradição e futuro lado a lado
A casa é pequena, com cerca de 30 lugares. “Muita gente diz que devíamos mudar para um espaço maior, mas a minha mãe gosta desta rua, deste sítio, deste ambiente”, explica o filho. A decisão de permanecer num espaço limitado é consciente, e serve também para garantir a qualidade e o contacto direto com os clientes. “A cozinha não é uma linha de montagem. É um processo artesanal, quase afetivo”, refere Zezinha. O restaurante cresceu organicamente, sem agências nem campanhas. Foi o boca-a-boca, os reviews espontâneos, as fotos dos clientes, que fizeram o nome da casa. A decoração foi sendo montada com o tempo, como a carta, que hoje é uma fusão de tradição transmontana e sabores do mar de Matosinhos. No takeaway, a mesma filosofia: “Não queremos crescer muito nesse canal. Não é por falta de procura, mas porque não queremos prejudicar quem está na sala. A prioridade é quem está aqui”, salienta Jorge.
Simplicidade que conquista
A carta é feita com base no que resulta e no que as pessoas pedem. Nada de invenções desnecessárias. “Temos pratos que são verdadeiros clássicos. Às vezes repetimos, às vezes arriscamos algo novo, mas sempre dentro daquilo que sabemos fazer bem”, comenta Jorge. A consistência é um dos segredos para o sucesso da casa. “Um prato pode ser simples, mas se for bem feito, é memorável”, destaca. O equilíbrio entre tradição e conforto moderno faz com que o espaço seja procurado por locais e turistas. Há quem entre por curiosidade e volte sempre. “Já tivemos clientes que vieram de diversas partes do mundo, e dizem sempre a mesma coisa: que aqui se come como em casa”, realça.
Vinhos portugueses, sobremesas com sabor
A carta de vinhos é composta quase exclusivamente por rótulos portugueses. Pequenos produtores, sugestões de clientes, provas feitas em visitas a quintas. O critério? Relação qualidade-preço e afinidade com os pratos da casa. “Queremos que as pessoas bebam bem, sem sentir que estão a gastar demais. E damos espaço a quem está a começar no mundo do vinho”, sublinha o filho de Zezinha.
Nas sobremesas, uma abordagem mais criativa: fondue de chocolate com fruta, cheesecake de caramelo com nozes, bolo de chocolate húmido. “São pratos que iluminam a mesa, que surpreendem visualmente e deixam uma memória boa no fim da refeição”, menciona Jorge.
Um restaurante com identidade
Mais do que um restaurante de comida tradicional, os Temperos da Zezinha são um reflexo da história de vida da sua cozinheira. Uma fusão de saberes, sabores e afetos, entre o campo e a cidade, entre o tacho e o coração. Aqui, não há marketing agressivo nem modas passageiras. Há comida feita com gosto, respeito pelo cliente, uma equipa pequena, mas coesa, e o desejo sincero de fazer bem.
Quem entra neste espaço não encontra só uma refeição – encontra uma casa. Um lugar onde o arroz de polvo tem gosto de infância, a cabidela traz à memória uma aldeia, e o serviço é feito com empatia e verdade. Como dizem muitos dos clientes: “Sabe à comida da avó”. E isso, num mundo apressado e impessoal, é das maiores distinções que se pode alcançar.