As cefaleias (dores de cabeça) são uma das queixas neurológicas mais comuns na prática clínica e representam um problema de saúde pública com impacto muito significativo na sociedade que somos. Estima-se que mais de metade da população mundial sofra de cefaleias de forma ocasional, sendo que cerca de 15% apresentam formas crónicas de doença. Apesar da sua prevalência e dos efeitos debilitantes que frequentemente lhes associamos, as cefaleias continuam subestimadas e frequentemente pouco tratadas, mostrando-se, assim, como uma estranha manifestação de miopia social, em que parece que todos, enquanto sociedade, nos recusamos a ver a maior distância as consequências da nossa inércia.
A Organização Mundial da Saúde reconhece as cefaleias, especialmente a enxaqueca, como uma das principais causas de incapacidade, a nível global. Para além da enxaqueca, um distúrbio neurológico complexo, com origem multifatorial, que pode incluir sintomas como náuseas, sensibilidade à luz e ao som, a somar a uma cefaleia intensa e frequentemente unilateral, é também muito prevalente (e mais do que a enxaqueca!) a cefaleia tipo tensão, também ela uma cefaleia primária (isto é, é ela própria a doença e não se considera sintoma de nenhum outro problema de saúde). Existe ainda uma miríade de cefaleias ditas secundárias (manifestações de outras doenças subjacentes), daqui resultando um impacto que vai muito para lá do desconforto físico.

Em termos socioeconómicos, as cefaleias são responsáveis por milhões de dias de trabalho e de escola perdidos anualmente. A produtividade reduzida, associando-se à presença de dor ou ao receio de uma nova crise, tem implicações diretas nos sistemas económicos e na eficiência do trabalho. Muitas pessoas com cefaleias crónicas desenvolvem também comorbilidades psiquiátricas, como ansiedade e depressão, criando um ciclo vicioso entre dor, sofrimento emocional e incapacidade funcional. O custo indireto das cefaleias, relacionado com ausências no trabalho, diminuição do rendimento e encargos com cuidados informais prestados por familiares, é muitas vezes superior ao custo direto associado ao tratamento médico. Apesar disso, muitas vezes o diagnóstico é tardio e os tratamentos prescritos são inadequados, contribuindo para a cronificação da doença e para um uso excessivo de analgésicos, o que por si só pode agravar o quadro clínico.
Em populações mais jovens o impacto é particularmente marcante. A enxaqueca é uma das principais causas de perda de anos de vida saudáveis entre os 15 e os 49 anos, dificultando a progressão académica, afetando as relações interpessoais e limitando escolhas profissionais. Em crianças, a cefaleia pode manifestar-se de forma atípica e muitas vezes é desvalorizada. É também importante destacar o estigma associado às cefaleias crónicas, vistas como “queixas menores” ou exageros. Romper com este estigma é um passo essencial para garantir uma abordagem digna e centrada na pessoa.
Apesar dos avanços na investigação, ainda existe uma lacuna significativa entre o conhecimento científico e a prática clínica, onde tem ainda um protagonismo demasiadamente marcante a dificuldade de acesso a fármacos inovadores. Esta dificuldade contribui para manter muito elevado o peso das cefaleias na nossa sociedade. E este fardo silencioso, de dimensão nada pequena, mostra-se como um exemplo paradigmático de uma miopia que não queremos manter. Urge ver mais além e encarar a abordagem das cefaleias como uma necessidade premente, com impacto pessoal, familiar e social mais do que evidente.