Num mercado de trabalho cada vez mais moldado pela automação, pela inteligência artificial e por novas formas de contratação, Sandra Soares, CEO da Brain Power, assume-se como uma das vozes mais firmes na defesa do equilíbrio entre tecnologia e fator humano. À frente de uma empresa pioneira na proteção dos trabalhadores independentes, acredita que o futuro do trabalho não se fará de vínculos rígidos, mas de modelos flexíveis capazes de garantir direitos e estabilidade a quem opta por traçar o seu próprio caminho. Com a expansão internacional da Brain Power e uma estratégia de franchising distinta, baseada em proximidade e partilha de liderança, Sandra Soares quer deixar como legado não apenas o sucesso empresarial, mas sobretudo a transformação estrutural da forma como olhamos para a independência profissional: de sinónimo de precariedade a escolha consciente, digna e valorizada.
Num mercado de trabalho cada vez mais marcado pela automação e pela Inteligência Artificial, como prevê que a Brain Power consiga equilibrar a tecnologia com o fator humano, que assume como central no vosso modelo?
Na Brain Power entendemos a tecnologia como um catalisador do talento humano. A automação e a Inteligência Artificial permitem-nos otimizar processos e alcançar maior rigor, mas é nas pessoas que reside a capacidade de interpretar, criar e gerar impacto real. O nosso compromisso é garantir que a inovação tecnológica serve sempre para potenciar competências humanas, e não para as substituir. O futuro do trabalho será construído neste equilíbrio: máquinas a apoiar e pessoas a liderar.
A Brain Power apresenta-se como pioneira na proteção dos trabalhadores independentes. Que desafios jurídicos ou resistências institucionais encontrou ao propor este modelo inovador?
O principal obstáculo tem sido a rigidez de uma legislação laboral pensada para realidades antigas. A lei ainda privilegia o vínculo tradicional de emprego e não reflete a diversidade crescente de profissionais independentes. Essa lacuna gera resistências naturais quando apresentamos soluções que fogem ao modelo estabelecido. No entanto, acreditamos que cada passo dado para atualizar mentalidades e estruturas jurídicas abre caminho a um futuro mais inclusivo, onde a proteção laboral chega a todos, independentemente do formato de trabalho.

O outsourcing e a consultoria são hoje vistos como motores de flexibilidade, mas também alvo de críticas por, nalguns contextos, fragilizarem vínculos laborais. De que forma garante que a Brain Power subverte essa lógica e a transforma em maior segurança e estabilidade?
Muitas das críticas feitas ao outsourcing e à consultoria partem de uma visão ultrapassada do mercado de trabalho. Hoje, os profissionais mais jovens valorizam sobretudo a flexibilidade e a possibilidade de definir o rumo da sua carreira, e não necessariamente o vínculo sem termo. A Brain Power nasce exatamente para responder a essa mudança: oferecemos proteção e estabilidade a quem escolhe a independência, garantindo que a liberdade de trabalhar em diferentes projetos vem acompanhada de direitos e segurança.
A aposta nas soft skills é um dos vossos pilares estratégicos. Considera que o sistema educativo português (ou europeu) está preparado para formar profissionais à altura destas exigências?
Atualmente, o sistema educativo ainda não está totalmente preparado para responder a esta necessidade. Continua a privilegiar a vertente teórica, em detrimento da prática e do desenvolvimento de competências transversais. Formamos excelentes profissionais em termos técnicos, mas nem sempre preparados para lidar com desafios como comunicação, resiliência, liderança ou trabalho em equipa. Na Brain Power acreditamos que o futuro passa por um maior equilíbrio: manter o rigor académico, mas dar espaço a experiências práticas que desenvolvam as soft skills de forma consistente.
A internacionalização do grupo tem crescido de forma expressiva. Que diferenças culturais e legislativas mais a desafiaram na expansão e como as integrou no vosso modelo?
A nível cultural, não sentimos grandes barreiras à internacionalização, porque os desafios enfrentados pelos trabalhadores independentes são, em grande medida, universais. O que varia substancialmente é o enquadramento legal: fora de Portugal encontramos maior flexibilidade e uma legislação mais adaptada às novas formas de trabalho. Isso obrigou-nos a ajustar o nosso modelo para responder a diferentes contextos jurídicos, mas sempre mantendo a mesma missão, garantindo proteção e estabilidade a quem trabalha de forma independente.
A sua visão privilegia um mercado de trabalho mais justo. O que falta mudar estruturalmente em Portugal – seja a nível legal, fiscal ou cultural – para que este futuro seja realmente viável?
Portugal precisa de avançar em três dimensões estruturais: legal, fiscal e cultural. No plano legal, é urgente atualizar a legislação laboral, que continua demasiado focada no modelo tradicional do emprego por conta de outrem e não acompanha a diversidade de formas de trabalho que já existem no mercado. Do ponto de vista fiscal, é necessário criar regras mais justas e proporcionais à realidade dos trabalhadores independentes, que muitas vezes enfrentam rendimentos irregulares e instabilidade. Finalmente, é fundamental promover uma mudança cultural e deixar de associar independência a precariedade, reconhecendo que pode ser uma escolha consciente e com valor acrescentado para a economia. Só com este triplo movimento conseguiremos construir um mercado de trabalho mais justo, inclusivo e preparado para o futuro.
No discurso de liderança, refere muitas vezes a importância da proximidade e da confiança. Como se mantém essa cultura empresarial à medida que a organização cresce e se torna mais global?
O crescimento da organização não altera o essencial: a liderança faz-se de proximidade e de confiança. A minha forma de conduzir as equipas mantém-se igual, priorizando estar ao lado das pessoas, compreender os seus desafios e apoiar o seu desenvolvimento. Mesmo numa estrutura global, é possível cultivar essa cultura se houver intenção genuína de ouvir, reconhecer e valorizar. É esse compromisso que garante que a expansão da Brain Power não dilui a nossa identidade, mas reforça-a.
O investimento em tecnologia e automação tem vindo a aumentar sistematicamente. Como garante que este salto tecnológico será uma mais-valia para os trabalhadores e não apenas um ganho de eficiência para as empresas?
Na Brain Power acreditamos que a tecnologia deve estar ao serviço das pessoas. A automação não vem substituir o trabalho humano, mas sim libertá-lo de tarefas repetitivas, dando mais tempo e espaço para aquilo que realmente acrescenta valor: melhorar processos, inovar e desenvolver novas ideias. É assim que garantimos que o salto tecnológico não representa apenas eficiência para as empresas, mas também uma mais-valia direta para os trabalhadores, que passam a ter funções mais criativas, estratégicas e gratificantes.
O modelo de franchising da Brain Power tem uma abordagem distinta, com nomes de pedras preciosas e um ciclo de autonomia progressiva. Qual a principal lição que retirou desta estratégia e que conselho daria a outros líderes que consideram expandir via franquias?
A principal lição que retirámos com o nosso modelo de franchising é que a expansão só faz sentido quando preserva a essência da marca. Ao escolhermos nomes de pedras preciosas e criarmos um ciclo de autonomia progressiva, quisemos mostrar que cada franquia é única e valiosa, mas também parte de um ecossistema coeso. Esta abordagem permitiu-nos crescer sem perder identidade e, ao mesmo tempo, dar aos nossos parceiros um caminho claro de evolução e capacitação. Acredito que o franchising não deve ser apenas um modelo de negócio, mas também um modelo de liderança partilhada, em que todos têm espaço para aprender, assumir responsabilidades e contribuir para o futuro comum. Também convém que os modelos de liderança sejam replicados e mantidos em todas as franquias, garantindo consistência na forma como a cultura da Brain Power é vivida. O conselho que deixo a outros líderes é simples: expandir com propósito. Mais do que multiplicar unidades, é fundamental multiplicar impacto, garantindo que cada novo passo reforça, em vez de diluir, a cultura que distingue a organização.
Ao longo da sua trajetória, já se afirmou como uma voz de transformação no mercado laboral. Que legado gostaria de deixar no futuro: ser lembrada como empresária de sucesso ou como alguém que alterou a forma como encaramos o trabalho independente?
Mais do que ser recordada apenas como empresária de sucesso, o que realmente me motiva é deixar um legado de transformação. Gostaria que a minha contribuição fosse reconhecida por ter ajudado a mudar a forma como olhamos para o trabalho independente, dando-lhe dignidade, proteção e estabilidade. Se no futuro conseguirmos que milhões de profissionais tenham melhores condições graças a este modelo, esse será o verdadeiro sucesso, coletivo e não apenas individual.