“Preparamos os alunos para o mundo”

É uma das três reitoras em Portugal. Até à data, apenas cinco mulheres ocuparam o lugar máximo na organização das Universidade portuguesas. Ana Costa Freitas é a Reitora da Universidade de Évora e cumpre, atualmente, o seu segundo mandato. Em entrevista à Revista Business Portugal, fala-nos do passado, presente e futuro da instituição.

O percurso de Ana Costa Freitas

Começou, naturalmente, como professora universitária. Iniciou-se como assistente na Universidade de Évora e depois seguiu para a Universidade Nova de Lisboa, para fazer o Doutoramento e aí permaneceu durante 18 anos, como professora auxiliar do departamento de química. Em 2001 regressa a Évora como professora associada. De 2006 a 2010 ocupou o cargo de Vice-Reitora e, em 2010, rumou a Bruxelas para ingressar no Gabinete de Conselheiros Políticos do presidente da Comissão, à época Durão Barroso, onde permaneceu por três anos. Já em 2014, de regresso à Universidade de Évora, candidata-se a Reitora. Nesse ano venceu as eleições, feito que tornou a repetir já em 2018, cumprindo atualmente o seu segundo mandato.

 

É uma das três reitoras em Portugal. São mulheres num mundo de homens ou este número reduzido de líderes femininas nas organizações do ensino superior no nosso país é apenas uma coincidência?

Confesso que não acredito que esta realidade tenha que ver com questões de género. Neste momento, há três mulheres reitoras e, quando ganhei as eleições, havia apenas uma, a reitora da Universidade Católica. Até à época tinha havido apenas mais uma, a reitora da Universidade de Aveiro, pelo que, neste momento, contam-se ainda pelos dedos de uma mão as reitoras portuguesas, uma vez que houve apenas cinco mulheres reitoras desde que há universidades em Portugal. Essa questão que me coloca já me foi colocada diversas vezes, se sentia alguma diferença por parte dos meus colegas, mas posso afirmar que não, não sinto, de todo! Até porque, teoricamente, temos que ter a capacidade de perceber, e obviamente o CRUP (Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas) percebe, que não é uma questão de género. Mas acaba por ser um dado curioso, uma vez que há muitas mulheres vice-reitoras, muitas mesmo, mas depois há poucas reitoras. Há qualquer coisa que ainda falha, mas não sei se é de nós próprias, que depois não avançamos por quaisquer razões, seja por questões familiares ou sociais, não tenho bem a certeza ainda. Mas não me sinto uma mulher num mundo de homens, apesar de tudo, felizmente.

 

Arranca agora um novo ano letivo. Quais as suas expectativas para a Universidade de Évora?

Desde o final da crise que temos tido um aumento gradual do número de estudantes, o que tem sido muito bom. Este ano, aumentámos ainda mais e espero que tenhamos cerca de mais 300 alunos nos três ciclos, o que para a Universidade é muito bom. A Universidade de Évora vem-se afirmando, aliás, penso que todas as Universidades têm que se afirmar pelo lado da investigação, e ter esse conhecimento e essa base científica forte nos cursos que lecionamos e na forma como lecionamos os mesmos. Penso que o reforço da vertente de investigação é muito importante para os alunos prosseguirem a sua formação, nomeadamente após o primeiro ciclo passarem para o segundo e, eventualmente, fazerem o doutoramento, mas terem uma base muito forte e a consciência da importância que irão ter no desenvolvimento de uma sociedade e principalmente na sua estabilidade económica, que só se conseguirá pelo aumento do conhecimento. Estou em crer que não nunca haverá um desenvolvimento sustentável que não seja baseado em ciência/conhecimento.

 

Mas, com certeza, a preocupação das Universidades passa também por formar pessoas para a sociedade…

Certamente! Temos também uma preocupação grande, pois nós não formamos só pessoas. Aquilo que nós transmitimos aos nossos estudantes não é só a matéria de um curso, não ensinamos apenas biologia ou matemática, nós preparamos pessoas para a sociedade, há também aqui um percurso de cidadania. Portanto, é preciso que haja uma formação completa, humanística e científica. Penso que isso é algo que conseguimos aqui na Universidade. O facto de ser uma universidade pequena tem a vantagem de termos uma proximidade muito grande com os estudantes. Eu, enquanto reitora, recebo e-mails dos estudantes e recebo-os meu gabinete e isto não é tão suscetível de acontecer numa universidade muito grande. Além disso, os docentes têm uma maior abertura porque, como há menos gente, as relações são mais próximas. Temos sempre que perceber que estamos a falar de uma universidade regional, do interior, numa zona demograficamente deprimida, mas que se afirma, e tem obrigação de o fazer, no contexto internacional.

 

Perante esta realidade, têm também uma missão acrescida: revitalizar a região onde estão inseridos?

Sim, sem dúvida que essa é uma das missões da Universidade. Mas quero deixar uma ressalva: nós não preparamos os alunos nem lecionamos os cursos para a região, nós preparamos os alunos para o mundo! Mas claro que há também essa preocupação, que sentimos ser de uma importância muito grande. Eu, particularmente, tenho uma enorme preocupação com o Alentejo e com o problema demográfico que aqui existe. Temos é que ter a capacidade de atrair as pessoas para cá, que não têm necessariamente que ser as que estão na Universidade. Nesse sentido, temos vários protocolos com as Câmaras Municipais, uma grande ligação com outros Centros de Investigação e também com os Institutos Politécnicos que estão aqui na região, pois é preciso, para o Alentejo, uma maneira de pensar inovadora, economicamente sustentável, de ciência e de formação e conhecimento. Até porque acredito que, se não houver conhecimento, dificilmente conseguiremos progredir. Assim, as nossas áreas fundamentais são as mais diretamente relacionadas com a região, nomeadamente tudo o que se liga ao Ecossistema Mediterrânico, Ambiente, Ordenamento do Território, Gestão da Água, o  Património, ou não estivéssemos nós numa cidade património da UNESCO. Há ainda uma área forte  que se liga com os  percursos de vida e bem-estar, precisamente por causa do problema da demografia e do envelhecimento. Mas o mundo está em constante evolução e se todos temos que saber evoluir, as Universidades por maioria de razão, também. Estamos, portanto, a apostar muito na vertente do Aeroespacial, porque tem futuro na região, devido às empresas que aqui estão sediadas e porque é um desafio ao qual quisemos responder, e que responderemos seguramente com a qualidade que nos é reconhecida. Mas evoluímos sempre. Os cursos fundacionais da Universidade foram ligados à agricultura (Engenharia Agrícola, Engenharia Zootécnica e Arquitetura Paisagista). As transformações que se têm vivido na agricultura obrigaram também a uma transformação dos cursos lecionados nessa área e atualmente, p.e. abrimos o primeiro mestrado em agricultura de precisão, pois esse é o futuro da agricultura; até porque a realidade é outra, nós já não temos agricultores, nós temos empresários agrícolas e esse tem sido um dos motores do desenvolvimento da nossa economia. Vejamos o exemplo da agricultura de regadio. Não há muitos anos atrás, nunca se julgou ser possível agricultura de regadio no Alentejo. Estes exemplos vêm confirmar que a evolução e a investigação são o futuro da Universidade e é esse caminho que queremos continuar a traçar.

 

 

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