Os atuais desafios à advocacia

Luís Menezes Leitão, Bastonário da Ordem dos Advogados

A advocacia portuguesa atravessa presentemente uma fase extremamente complexa, em virtude da pandemia Covid-19 que, não apenas dificultou imenso o trabalho de muitos advogados, como também tem vindo até a pôr em causa os direitos e prerrogativas que lhes são garantidos por lei.

Efetivamente salienta-se, em primeiro lugar, que muitos serviços públicos praticamente deixaram de funcionar durante a pandemia, e que o atendimento aos mesmos apenas se consegue fazer por marcação telefónica, na qual não é respeitada a preferência no atendimento que é reconhecida aos advogados pelo art. 79º, nº2, do EOA. Tal representa uma clara violação da lei, que deverá ser impedida com a criação pelos serviços públicos de linhas próprias para atendimento aos advogados, onde a sua preferência no atendimento seja respeitada.

Outro dos problemas que, atualmente, se verifica é a falta de condições de segurança e de trabalho para os advogados em muitos tribunais do nosso país, que têm mostrado ser lugares de risco para a propagação do novo coronavírus.

Na verdade, depois da desastrada reforma do mapa judiciário levada a cabo pelo governo anterior, o país ficou com os tribunais concentrados nas grandes cidades, o que levou ao encerramento de muitos tribunais do interior, onde se poderiam fazer julgamentos com todas as condições de segurança. Ora, os atuais edifícios dos tribunais não têm condições para garantir o distanciamento dos intervenientes processuais, o que levou à deslocação dos julgamentos para auditórios e salas de espetáculos, mas estas não permitem as adequadas condições de trabalho aos advogados. Na verdade, conforme exige o art. 72º do Estatuto da Ordem dos Advogados, os advogados têm que ter uma bancada própria onde possam trabalhar, não sendo por isso aceitável que sejam colocados na plateia de uma sala, sem o tratamento compatível com a dignidade da sua profissão.

Por outro lado, a solução que foi ensaiada durante o estado de emergência, que foi a realização de julgamentos à distância, mostrou-se totalmente inadequada. Na verdade, a ligação à internet caía sistematicamente, o que prejudicava a fiabilidade dos testemunhos, não havendo sequer garantias de que a testemunha não estivesse a ser instruída durante o depoimento. Da mesma forma a exibição de documentos não se consegue fazer adequadamente por esta via, sendo assim manifesto que as audiências de julgamento têm que ser presenciais. Compete por isso aos órgãos de gestão da comarca e ao Ministério assegurarem as condições logísticas para que os julgamentos se possam fazer com as adequadas condições de segurança e de trabalho de todos os intervenientes processuais.

Mas o desafio mais importante que se coloca presentemente aos advogados é a reforma do seu sistema de previdência. Efetivamente, a pandemia demonstrou as fragilidades deste sistema ao não tutelar adequadamente as necessidades dos advogados, sendo que a sua existência foi aproveitada pelo Estado para não estender aos advogados os mesmos benefícios que concedeu aos restantes trabalhadores independentes. Entendemos que essa discriminação tem que ser abolida e os advogados beneficiarem desses apoios, que são concedidos pelo Orçamento Geral do Estado e, por isso, devem estar acessíveis a todos os cidadãos. Deverá ainda ocorrer uma reforma da previdência dos advogados que tutele adequadamente as situações de incapacidade temporária para o trabalho.

São assim inúmeros os desafios que se colocam à advocacia, mas tudo faremos para que a mesma saia desta crise mais fortalecida e com todas as condições para exercer a sua nobre tarefa de defesa dos direitos dos cidadãos.

 

Luís Menezes Leitão

Bastonário da Ordem dos Advogados

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