O Melanoma Cutâneo

Maria José Passos, Médica Oncológica

O Melanoma é o tumor maligno dos melanócitos que são as células responsáveis pela pigmentação da pele. Estas fabricam a melanina que dá as estas lesões uma cor “castanha escura a negra”. No entanto, raramente o melanoma pode ter um aspeto rosado ou branco (melanoma amelanótico). É um tumor relativamente raro, representando cerca de 5-10 por cento dos cancros cutâneos, mas é responsável por cerca de 80 por cento das mortes por este tipo de cancro.

A incidência e mortalidade por melanoma têm vindo a aumentar em todo o mundo, sobretudo nas duas últimas décadas. Entre nós diagnosticam-se anualmente cerca de 1000 casos e a incidência situa-se entre os 10/100.000 habitantes. Trata-se de um problema major de saúde pública que exige uma estratégia de intervenção eficaz.

 

Sintomas e sinais
Em geral, no início da doença não há sintomas. Apenas alterações a nível dos sinais, a nível da morfologia e tamanho da lesão, alteração da cor, assimetria (ABCDE). Por vezes ulceram e sangram. Só nos estádios avançados surgem os sintomas.

 

Qualquer idade
O melanoma pode atingir qualquer grupo etário e é relativamente frequente em adultos jovens (<30 anos) e raro na infância. O risco de desenvolver melanoma é sobreponível nos dois sexos, com diferenças consoante os países.  Aparece com mais frequência nos indivíduos de raça caucasiana, mas pode surgir nos negros.

A idade média de aparecimento anda um pouco acima dos 57 anos.  Na mulher o melanoma localiza-se preferencialmente nos membros inferiores e no homem a localização habitual é o tronco.

As pessoas de pele clara, sardentas, ruivas ou louras, de olhos claros, nevos atípicos, com história de exposição solar intensa e intermitente “escaldões”, sobretudo na infância, têm um maior risco de desenvolver este tipo de cancro.

 

Cuidados redobrados no verão
Agora que voltamos a ir para a praia e para o campo, nunca é demais salientar os cuidados a ter em relação ao sol, devendo ser evitados os comportamentos de risco, como a exposição solar intensa e prolongada (escaldões), sem proteção e a ida aos solários. É importante usar óculos escuros, protetor solar com fator superior a 30, uma camisa, de preferência escura, chapéu de pala com proteção das orelhas e evitar a exposição solar das 12-16h, hora em que a radiação ultravioleta é mais perigosa. Cuidado sobretudo com as crianças, pois são mais sensíveis à radiação solar!

O tratamento de um doente com melanoma metastático depende de vários fatores: idade, estado geral, volume tumoral, número e localização das metástases. O objetivo principal do tratamento deve privilegiar o alívio dos sintomas e o conforto do doente. Graças aos avanços recentes da genética, imunologia e biologia molecular surgiram novos fármacos, com diferentes mecanismos de ação, que demonstraram pela primeira vez um aumento da sobrevivência global em melanoma avançado. A abordagem terapêutica destes doentes continua a ser um desafio, mas o futuro deve ser encarado com otimismo, pois iniciámos uma nova era que alterou radicalmente o tratamento do melanoma avançado.

 

Assimetria

Bordo irregular

Coloração castanha escura ou negra sobre um nevo atípico sugere a sua transformação em melanoma

Diâmetro > 6mm pode corresponder a malignidade, pelo que estas lesões devem ser excisadas e analisadas.

Evolução – o “sinal “suspeito aumenta de tamanho, altera a sua forma e muda de cor, ou aspeto, ou cresce numa área de pele, antes normal.

 

 

Maria José Saramago Galvão Passos

  • Licenciada em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa, 1978
  • Especialista de Medicina Interna (1988)
  • Especialista de Oncologia Médica (1997)
  • Formadora creditada pelo Ministério do Trabalho desde 1998

 

Posição Atual:

  • Assistente Hospitalar Graduada de Oncologia Médica, Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil, (IPOFG) Lisboa desde 1997, com diferenciação em c. mama e cancro cutâneo, com destaque para o melanoma.
  • Aprovada no Concurso de Chefe de Serviço, Serviço de Oncologia Médica, IPOFG, 2003
  • Coordenadora do grupo de Melanoma do IPOFG (2010-2018)
  • Fundadora e Presidente do Intergrupo Português de Melanoma (IGPM), tendo organizado sete simpósios nacionais (2012-2019)
  • Autora e Coordenadora do 1º livro técnico português sobre melanoma intitulado “Melanoma 2013”, lançado na Assembleia da República em 13 de Maio de 2014.
  • A convite da EORTC, foi responsável pela organização de uma reunião internacional do Grupo de Melanoma da EORTC que decorreu pela primeira vez em Lisboa em 27 e 28 de Outubro de 2016.
  • Desde 1998 participa na investigação clínica do IPOFG de Lisboa, sendo investigadora principal, em mais de 20 ensaios clínicos em cancro da mama e melanoma, alguns no âmbito da EORTC.
  • Apresentou comunicações orais em conferências nacionais e internacionais e tem vários artigos publicados em revistas médicas nacionais e internacionais.
  • Membro Ativo da Sociedade Portuguesa de Oncologia
  • Membro Ativo do Grupo Europeu de Melanoma da EORTC
  • Membro Ativo da ASCO (Sociedade Americana de Oncologia).

 

O que torna o melanoma um dos mais temidos cancros de pele?

O melanoma cutâneo é o tumor maligno dos melanócitos que são as células responsáveis pela pigmentação da pele. É de todos os tumores cutâneos, o menos frequente, mas o que tem um comportamento biológico mais agressivo, sendo responsável por cerca de 75-90 por cento das mortes por este tipo de cancro.

No decurso da doença uma percentagem significativa destes doentes desenvolve doença localmente avançada inoperável e/ou metastizada (Estádio IV).

Em 2-5 por cento dos casos pode apresentar-se à data do diagnóstico já em estádio IV. Neste contexto a probabilidade de cura é baixa e a sobrevivência global aos 5 anos é inferior a 10 por cento.

 

No que diz respeito à investigação, Portugal tem vindo a apostar no desenvolvimento de soluções inovadoras e menos invasivas para o tratamento de patologias de cancro. No que diz respeito ao Melanoma, como tem sido esta evolução e a aplicação? Que opções terapêuticas, nomeadamente a imunoterapia e quimioterapia, estão atualmente disponíveis? Quais as últimas inovações na área?

A partir de 2011, começaram a surgir novos fármacos, com diferentes mecanismos de ação, que demonstraram pela primeira vez um aumento da sobrevivência global, em doentes com melanoma avançado. Foi o caso das terapêuticas dirigidas para os doentes com mutação BRAF e da imunoterapia (inibidores de checkpoint CTLA-4 e PD1.) Ao contrário da quimioterapia antineoplásica, a imunoterapia atua sobre o hospedeiro e não diretamente sobre o tumor, modulando as respostas imunológicas do organismo, de modo a que este consiga lutar de forma eficaz e duradoura contra o melanoma. O mecanismo de ação dos diferentes agentes imunológicos condiciona as respostas clínicas e os efeitos secundários que são de causa auto-imune. Estes são geralmente controláveis, quando reconhecidos e tratados precocemente com corticoides. Outra modalidade terapêutica importante no tratamento do melanoma avançado inclui os inibidores BRAF e MEK nos doentes que têm mutações nesta via reguladora do ciclo celular. A Imunoterapia e as terapêuticas alvo no tratamento do melanoma avançado levaram a um aumento de sobrevivência global e a respostas duradouras, transformando muitas vezes uma doença agressiva em doença crónica com poucos sintomas.

Atualmente, em Portugal tratamos os nossos doentes com estes novos agentes (inibidores BRAF+ inibidores MEK e imunoterapia) e participamos em vários ensaios clínicos multicêntricos internacionais em melanoma avançado.

Os excelentes resultados atingidos com os tratamentos dirigidos e com a imunoterapia    em   melanoma avançado levaram ao desenvolvimento de ensaios clínicos, com os mesmos agentes, mas agora no tratamento dos melanomas de alto risco (Estádios III) com o objetivo de impedir ou atrasar o aparecimento de metastização a distância e aumentando a sobrevivência destes doentes. Na verdade estes ensaios foram positivos e entraram rapidamente na prática clínica em quase todos os países (EUA e Europa). Em Portugal, receberam aprovação do Infarmed há duas semanas, o que é uma excelente notícia para os doentes portugueses.

 

Qual a importância da comparticipação e facilidade de acesso a estes novos tratamentos?

É muito importante que os fármacos inovadores com eficácia confirmada obtenham reembolso e que todos os doentes elegíveis para tratamento tenham acesso a estes medicamentos, a nível nacional. É essencial que os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e farmacêuticos hospitalares) conheçam bem as indicações, o mecanismo de ação e perfil de segurança dos diferentes fármacos. É importante que no mundo real, ou seja, nos nossos hospitais, as toxicidades raras e frequentes sejam diagnosticadas e tratadas precocemente, da forma adequada.

Quero salientar a importância que o SNS tem tido neste domínio e o seu compromisso constante na resolução das situações mais complexas a todos os níveis.

 

O Presidente do Núcleo Regional do Norte da Liga Portuguesa Contra o Cancro, Vítor Veloso, referiu num artigo de opinião que há doenças que vão matar muito mais portugueses que a pandemia da Covid-19 – AVC, enfarte e cancro. Na sua ótica, qual o efeito da Covid-19 nos doentes com melanoma?

Concordo que a preocupação excessiva e o medo do Covid-19 podem levar os doentes com outras patologias a não procurarem o médico, o que é um erro, sobretudo nas doenças graves, como os acidentes vasculares cerebrais, doenças cardíacas e oncológicas, em que o diagnóstico e tratamento tardios podem ser fatais.

Quanto ao efeito do Covid-19 no melanoma parece ser idêntico ao de qualquer doença oncológica, embora este assunto mereça um estudo mais aprofundado e em larga escala. Muitos destes doentes são idosos, imunodeprimidos e com várias comorbilidades, o que por si só são fatores de mau prognóstico.

 

Estima que, nos próximos meses, o número de casos de melanoma poderá aumentar. Tendo em conta a dificuldade ou receio na acessibilidade em todos os campos – primeiras consultas, diagnóstico, tratamentos e follow-up – o que deve ser feito para reverter esta situação?

Sim, sem dúvida. Estou convencida que o efeito nefasto desta pandemia vai sentir-se na nossa prática clínica. O medo de consultar o médico, o atraso de exames e consultas, o adiamento consecutivo de consultas de seguimento e especialidade são já uma realidade, seguramente prejudicial aos nossos doentes. Há que aprender a lidar com este novo vírus e com cuidado retomar progressivamente a nossa atividade normal, o que não será fácil, mas é essencial para recuperar o tempo perdido.

 

Em matéria de prevenção, diagnóstico e tratamento que considerações finais gostaria de fazer?

Às portas de mais uma época balnear e depois de vários meses de confinamento tão exigentes e difíceis para todos, estamos ansiosos por dar uns bons mergulhos nas nossas maravilhosas praias, voltar a ter uma vida normal e a ter de volta os dias luminosos cheios de sol, mas há que ter cuidado para não deitar tudo a perder!

No que diz respeito ao Covid-19 devemos continuar a seguir rigorosamente as orientações e conselhos da DGS. A situação melhorou, mas está longe de estar resolvida.

 

Que mensagem gostaria de deixar aos nossos leitores?

Queria deixar uma mensagem de esperança e otimismo para os nossos doentes com melanoma avançado. O tratamento do melanoma de alto risco e metastizado mudou radicalmente na última década e vai continuar a melhorar no futuro.

O advento da imunoterapia com inibidores de “checkpoint” e as terapêuticas dirigidas anti- BRAF, mudaram radicalmente a história natural do melanoma, destronando definitivamente a quimioterapia antineoplásica e demonstrando uma eficácia incomparável, em contexto metastático e agora também adjuvante, nos estádios III.

Temos ainda pela frente enormes desafios, mas a revolução vai continuar…

Todos os doentes com melanoma avançado devem ser encorajados a participar em ensaios clínicos com novos fármacos!

 

No âmbito do Dia Europeu do Melanoma assinalado a 20 de maio

IPO DO PORTO LANÇA CAMPANHA DE PREVENÇÃO

“A saudade sente-se na pele”

 

 

O reforço da sensibilização, do diagnóstico precoce e do alerta para o auto-exame são os principais focos da campanha digital “A Saudade sente-se na pele”, lançada pelo IPO do Porto, no âmbito do Dia do Euromelanoma. Na impossibilidade de receber a população para o habitual rastreio, o Instituto direcionou a sua atuação para uma ação de sensibilização condizente com esta altura de pandemia, influenciando a população a não descurar os cuidados primários de saúde e em particular os cuidados a ter com a pele. Saudades dos abraços? Saudades dos beijos? Saudades do “Dá cá mais cinco”? Saudades do “Riqueza da avó”? Emoções atuais e empáticas que pretendem alertar a população para os perigos do sol e para a prevenção do cancro cutâneo.

“O tempo de pandemia é tempo de distanciamento. Entendemos que nada como demonstrar a importância da pele nas nossas relações sociais, ou na falta delas, para sensibilizar a população nesta fase para a importância dos cuidados a ter com a pele”, explica Matilde Ribeiro, coordenadora da Clínica da Pele do IPO do Porto, reforçando que “estar em casa pode atenuar os riscos, mas não os faz desaparecer. Se detetar algum sinal de alarme, de forma segura, procure o seu médico assistente para fazer o rastreio adequado.”

Evitar exposições solares desnecessárias entre as 11h00 e as 17h00, usar vestuário de proteção, em especial chapéu e óculos de sol, aplicar sempre protetor solar e fazer o auto-exame na sua pele. Se tiver sofrido alguma lesão de novo, identificado uma ferida que não cicatriza há dois meses ou um sinal que se tenha modificado, procure o seu médico assistente. São estas as principais medidas de prevenção que a Clínica da Pele do IPO do Porto recomenda. A pele memoriza as agressões do sol ao longo da vida. O excesso de exposição solar e sobretudo os escaldões aumentam o risco de aparecimento de cancro cutâneo. O diagnóstico precoce e a prevenção com início em idade jovem são fundamentais para a cura neste tipo de cancro. Anualmente passam mais de oito mil doentes pela Clínica da Pele. As últimas estimativas a nível nacional e para 2018 mencionam a incidência de melanoma em 13 casos/100.000 habitantes.

A campanha de prevenção “A saudade sente-se na pele” é uma iniciativa do IPO do Porto, que conta com o apoio da Novartis e do Futebol Clube do Porto.

 

CONSELHOS DA LIGA PORTUGUESA CONTRA O CANCRO

– Evite a exposição solar excessiva e as queimaduras solares, sobretudo nas crianças: os escaldões sofridos na infância aumentam o risco de cancro na idade adulta.

– Evite o sol entre o meio-dia e as quatro horas da tarde.

– Proteja sempre a pele com filtros de índice alto e largo espectro (anti UVA e UVB) e defenda-se usando t-shirt, chapéu e óculos escuros.

– Consulte imediatamente um médico se notar algum sinal suspeito ou uma ferida que não cicatriza.

– Sinais de alerta: se tiver dúvidas em relação a um sinal, lembre-se do ABCD: Assimetria, Bordo irregular, Cor não uniforme e Diâmetro (superior a 5 mm).

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