Novas Perspetivas sobre Olho Seco

João Quadrado Gil Médico Oftalmologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e na Unidade de Oftalmologia de Coimbra; Investigador na Association for Innovation and Biomedical Research on Light and Image (AIBILI), Coimbra; Doutorando na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.

O olho seco é uma das doenças mais prevalentes em Oftalmologia, afetando milhões de pessoas em Portugal e em todo o mundo. Nos casos moderados leva a um desconforto limitado, mas persistente. Mas também pode causar dores debilitantes e perturbar a visão ao ponto de impedir atividades essenciais como ler ou conduzir. No entanto, inversamente à sua importância crescente, o olho seco continua quase sempre a ser sub-diagnosticado e sub-tratado.
Durante muito tempo a Síndrome de Olho Seco foi abordada apenas como resultado de poucas lágrimas na superfície do olho, um simples compromisso mecânico de lubrificação. O passado recente da Oftalmologia mostra que insistir nesta visão simplista é um mau serviço prestado à ciência e aos doentes.
A superfície do olho precisa de se manter protegida por uma fina camada de diversas substâncias, a que damos o nome de filme lacrimal. Este filme lacrimal proporciona, não só lubrificação, mas também um microambiente que mantém o oxigénio, pH, nutrientes e fatores de crescimento nos níveis ótimos para a saúde do olho. Ajuda a diluir e eliminar agentes agressores, servindo de barreira anti-bacteriana para o olho. E, não menos importante, é também essencial para o funcionamento ótico do olho, garantindo uma visão nítida e constante.
Tal como as suas muitas funções – lubrificação, transparência, nutrição, proteção – também a sua composição é variada, uma estrutura dinâmica e complexa que engloba lípidos, água, mucina e outras proteínas. Este microambiente existe num equilíbrio vivo, mas frágil, que facilmente é enfraquecido por agressões ambientais ou hábitos errados. Assim surge o olho seco, quase sempre resultado de muitas causas, sobrepostas e interagindo entre si.
Em 2020, emergiu um novo agente em cena: a pandemia por Covid-19. Com os confinamentos a vida diária fechou-se no interior, tornando a circulação restrita de ar e a baixa humidade causas importantes de evaporação do filme lacrimal. Para além do recolhimento em casa, disseminou-se o ensino à distância e o trabalho remoto, realidades unidas por um elemento comum: mais dependência do digital e mais tempo ao ecrã. Em condições normais, o filme lacrimal dispõe-se de forma homogénea e estável, proporcionando proteção e qualidade de visão ótimas. Entretanto, apesar de recentemente a pandemia ter transitado para uma fase de endemia, o teletrabalho veio para ficar. Concentrados num ecrã, o nosso pestanejar diminui drasticamente – de 18 vezes para 3-4 vezes por minuto. O pestanejo torna-se menos frequente, mais breve e menos eficaz, expondo o olho e tornando o filme lacrimal instável. Desta instabilidade resulta a sensação de ardor e degradação da visão que muitas pessoas associam ao uso do computador. A utilização de máscara é o outro desafio que a Covid-19 trouxe: o posicionamento incorreto da máscara vai simultaneamente perturbar o movimento palpebral e circular o ar expirado em direção aos olhos, evaporando ainda mais as lágrimas.


A interação entre todas estas novas realidades é responsável – não sabemos em que proporção – pelo notório aumento de doentes com queixas de olho seco desde o início da pandemia.
Felizmente, não são só as condicionantes que se multiplicam. O nosso conhecimento avançou espantosamente e os nossos recursos de diagnóstico e tratamento explodiram. Somos agora capazes de distinguir diferentes subtipos da doença e de identificar as características e os fatores de risco que interagem em cada caso. Passámos de lágrimas artificiais simples para sofisticadas nanoemulsões que simulam a estrutura aquosa e lipídica da lágrima humana. E temos uma diversidade de terapêuticas – de imuno-moduladores até tratamentos de luz pulsada – que nos permite melhorar a qualidade de vida de quase todos os doentes.
O diagnóstico de olho seco parte sempre do reconhecimento das queixas subjetivas de desconforto ocular. A educação para a doença e a adoção de hábitos corretos podem ser o primeiro passo essencial para a sua melhoria. Mas o papel do oftalmologista – o contributo combinado do seu conhecimento, know-how e experiência – permanece a chave para um tratamento eficaz.

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