No universo feminino querer é poder

Há três anos que Sara Afonso decidiu mudar o rumo da sua vida e traçar um caminho pautado pelo empreendedorismo. CEO da Something Imaginary e da Something Real, bem como partner da Something Perfect, a nossa entrevistada aborda temas como a liderança no feminino, a igualdade de género e as mulheres que a inspiram diariamente.

A Sara Afonso é um exemplo de excelência no profissionalismo e na liderança feminina. Comecemos por conhecer um pouco melhor a mulher por detrás destas empresas e de que forma tem traçado o seu percurso profissional.
Autêntica e transparente emocionalmente (fácil de decifrar), sou extremamente expressiva. O que podem esperar de mim? Digo o que penso. Sou muito direta e sem preconceitos. Nunca tracei o meu trajeto profissional, foi um pouco with the flow. Até há três anos, que o resolvi mudar. O click deu-se com um diagnóstico de saúde menos positivo. Nestas alturas questionamos porque é que estamos aqui, o que estamos a fazer e as respostas não me deixaram satisfeita. Decidi traçar bem os meus objetivos e o caminho para lá chegar. Fruto disso, existem três empresas e uma equipa fantástica, não deixando de fora o meu marido que tem sido o equilíbrio fundamental.

A Something Imaginary surgiu em 2017, sendo hoje uma empresa de sucesso à base da harmonia da equipa e de projetos inovadores. Fale-nos um pouco mais sobre este projeto e de que forma se diferencia no mercado.
A Something Imaginary foi criada com o intuito de trazer a melhor experiência de arquitetura a cada cliente na concretização dos seus sonhos, através da inovação, dos serviços e das emoções. Obviamente que, para isso, há todo um conjunto de pessoas (equipa), de software e de valores que nos posicionam, hoje em dia, no mercado nacional e internacional como uma referência de excelência. As dores de crescimento, naturais em qualquer organização, têm sido ultrapassadas e mitigadas com uma equipa coesa, profissional, empenhada e alinhada com a nossa missão e valores, através de procedimentos e sistemas bem conhecidos e partilhados por todos. Uma gestão inclusiva e a partilha de responsabilidades têm marcado o sucesso da nossa equipa. Estamos constantemente a aprender e a inovar as formas de aperfeiçoar o nosso serviço, num processo contínuo que visa o rigor. É esse rigor que se reflete na confiança e na credibilidade que os clientes veem em nós e que nos tem diferenciado no mercado.

A arquiteta é um extraordinário exemplo de liderança feminina. Pelo que sabemos, o mundo da arquitetura e construção é um ambiente ainda muito masculino. Quais os valores que a norteiam?
Nunca duvidar de nós, pois a autoconfiança é fundamental. Ser organizada, estudar e saber explicar muito bem o porquê das decisões que tomamos (ainda temos que explicar o porquê) e não balançar, ser assertiva e ter atenção com a nossa imagem.

As mulheres assumem, cada vez mais, um papel preponderante na sociedade e nas empresas não é diferente. O seu espírito empreendedor, determinação, competência e capacidade criativa são alguns dos muitos atributos que imprimem nos cargos de chefia que ocupam e/ou nas empresas que lideram. Quais são, na sua opinião, as características diferenciadoras da liderança feminina?
A liderança feminina é pautada acima de tudo pela motivação no querer, que requer disciplina e aquisição constante de informação. Temos que gostar de aprender, sermos focadas, sabermos comunicar eficazmente e saber fazer bem as coisas simples. O que saliento e acima de tudo é sermos pessoas íntegras, generosas e gratas.

Reconhece a ancestralidade feminina da família como a sua grande motivação de resiliência e determinação. Fale-nos das mulheres que diariamente são a sua fonte de inspiração e de que forma contribuíram para ser a mulher que hoje é.
Claro que reconheço. A minha avó materna e a minha mãe nunca tiveram que liderar na sombra. Crescer sobre essa influência sem dúvida que deve ter-me talhado. A minha avó nasceu em Gondiães, uma linda aldeia, no concelho de Cabeceiras de Basto, e cedo ‘fugiu’ para Lisboa. Nunca dependeu do marido, sempre foi trabalhadora e empreendedora, acabando por criar a minha mãe praticamente sozinha. Já a minha avó paterna, foi um exemplo bem diferente, mas igualmente inspirador. A forma como durante anos reuniu, com o meu avô, toda a família em sua casa é das memórias mais doces que guardo. A minha mãe, além do perfil de lutadora inato, faz sempre mil coisas ao mesmo tempo, escreve e ‘arrasta-me’ para ilustrar os seus livros, sempre na temática MULHERES, a forma como marcaram a nossa sociedade, como foram determinadas e destemidas. Dá palestras, workshops, criou a ACCIG – Associação Cultura, Conhecimento e Igualdade de Género, é avó e o meu porto de abrigo. Mais recentemente tenho o exemplo da minha sogra, que aos 65 anos decidiu tirar a carta de condução. Não quis ficar refém da reforma do marido mais sedentário e fez-se à estrada. Foi o grito de liberdade após anos a tratar de pais, sogros e tios acamados. Com a morte do marido não se tornou dependente, pelo contrário, tem amigas com quem faz passeios e viagens. Este ano vão até Roma e têm que lidar com a questão de uma das amigas usar cadeira de rodas, mas nada disso as impede de realizar os seus objetivos. QUERER É PODER!

Portugal afigura-se um dos melhores países do mundo para as mulheres prosperarem enquanto empreendedoras, posicionando-se no 6.º lugar. No entanto, ainda há um árduo caminho a percorrer. Na sua opinião a igualdade de género é uma realidade no empreendedorismo, em Portugal?
É uma realidade que assente em projetos vocacionados para combater a desigualdade de oportunidades. Exemplo disso é o Projeto PROMOVA da CIP – Confederação Empresarial de Portugal, cujo objetivo principal é o de identificar e desenvolver talentos femininos com potencial de liderança e de fomentar a sua promoção em funções de gestão de topo das empresas. Os homens não precisam disto.

Fundadora da ACCIG – Associação Cultura, Conhecimento e Igualdade de Género, a sua mãe, Rosabela Afonso, é uma grande referência na luta pela igualdade de oportunidades, direitos e deveres para todos os seres humanos. O contacto que desde cedo teve com esta realidade foi determinante no seu percurso profissional e na sua luta pela igualdade de género no empreendedorismo?
Eu não considero que luto. O que pretendo diariamente, com este meu percurso na liderança feminina e empreendedora, é sentir-me realizada, que os meus filhos se sintam orgulhosos da mãe que têm e que a minha equipa sinta orgulho por ter estado ou estar a trabalhar comigo. No que respeita a esta temática tenho mixed feelings. Muitas vezes observo que são as próprias mulheres que se abstêm de agir, tomadas pela síndrome do impostor e que não se posicionam. Não acredito que hoje em dia tenhamos tanto essa disparidade de igualdade de oportunidades. Felizmente, já alcançámos muito, embora reconheça que ainda há um caminho a percorrer em determinados aspetos.

Muito mais do que o simples ato de empreender, o empreendedorismo feminino é também um importante instrumento de transformação social?
Ao contrário do que se pensa, o empreendedorismo feminino é qualquer ação empreendedora realizada, especialmente, por mulheres. Quando se fala de empreendedorismo limitamos, muitas vezes, o nosso pensamento a grandes projetos e grandes empresas, mas é importante compreender que o empreendedorismo feminino vai mais além. Tem um impacto positivo nas famílias, na comunidade e oferece uma nova perspetiva de vida. Ele traduz um movimento importante que dá força e visibilidade ao universo feminino e que ultrapassa o tradicional, pois trabalha muito, e principalmente, a autoestima e a afirmação das mulheres.

Acredita que as equipas mistas contribuem positivamente para o sucesso das suas empresas?
Claro que sim, só quem não leu o livro “Os Homens são de Marte e as Mulheres são de Vênus”, de John Gray, não percebe o quão isso é importante. Obviamente que este livro se baseia em relações, mas o trabalho em equipa não é mais do que trabalhar relações e saber lidar com elas, potenciando o melhor de cada um, fortalecendo o prestígio e a reputação da marca que queremos deixar. É como ter o lado direito e esquerdo do cérebro a trabalhar o emocional e o racional.

Estima-se que em Portugal cerca de 35 por cento dos novos negócios são fundados por mulheres, desempenhando um papel chave e crescente na economia. Que conselho gostaria de deixar a todas as mulheres que, tal como a arquiteta Sara Afonso, desejem entrar no mercado de trabalho e marcar pela diferença?
Não tenham medo de falhar, mas se forem para um projeto vosso, não levem paraquedas, pois é a forma de se entregarem a 100 por cento e de terem só uma solução possível: fazer acontecer bem e vencer.

You may also like...