Mercados de Olhão: A imagem da alma olhanense

Em Olhão, existem dois edifícios marcantes, que fervilham de gente, residentes e turistas. São os mercados. Estes grandes armazéns, de construção única, são uma atração naquela terra de pescadores e gentes do campo. Entrar no mercado da fruta e hortícolas, ou no mercado do peixe, significa entrar na verdadeira “Olhão”, ouvir o falar tradicional, os pregões dos comerciantes e as conversas de quem já se conhece desde sempre.

A revista Business Portugal teve oportunidade de passar por lá, conversar com quem já faz parte da alma daqueles mercados e ouvir a opinião do presidente da Câmara de Olhão, Dr. António Pina, e do presidente do Conselho de Administração da Empresa Municipal Mercados de Olhão, Eduardo Cruz, responsável pelas alterações técnicas e regulamentares e a respetiva valorização e manutenção destes espaços.
António Pina está a desempenhar o segundo mandato à frente da autarquia olhanense e afirma-se como alguém que quer deixar feito alguns projetos que, ele e outros, sentem que fazem falta à cidade: “Não pretendo deixar a minha marca através de construções megalómanas ou outro tipo de evidências. Quero sim garantir mais espaços verdes, assegurar que as pessoas podem usufruir mais da cidade e terminar a requalificação do parque escolar. Os grandes projetos estruturantes, que temos em estudo, são a requalificação das entradas poente e nascente de Olhão, bem como as artérias circundantes a entrada poente e ao Porto de Pesca”.
Por outro lado, o autarca já conseguiu concluir a requalificação da avenida 5 de Outubro e os jardins daquela zona ribeirinha – Patrão Joaquim Lopes e Pescador Olhanense – estão agendados para 2020: “Este é o ponto de aculturação das pessoas que passam por Olhão e dos que cá vivem. É essencial que possam sentir a nossa verdadeira alma. Diz-se que Olhão está na moda, mas eu nem gosto muito dessa expressão, porque as modas são efémeras. Acredito que as pessoas descobriram Olhão e estão a vivê-lo”.
Natural de Olhão, o presidente da Câmara conhece a sua autarquia desde sempre e explica que as principais atividades económicas são a pesca, a aquacultura, a agricultura e floricultura e as indústrias conserveiras: “Nos últimos anos, temos tido um grande crescimento nas áreas do turismo, bem como uma aposta nas indústrias em áreas inovadoras e de tecnologia. Temos muitas potencialidades de investimento e crescimento económico”.
Banhado pela ria Formosa, considerada uma das sete maravilhas de Portugal, este concelho é rico em atividades que gravitam em torno deste que, é, por si só, um ecossistema único: “A Ria Formosa é um dos maiores sapais húmidos da Europa, está classificado como Parque Natural e inscrito na Convenção Ramsa, devido ao fato de ser uma das mais importantes áreas de aves aquáticas em Portugal, com cerca de 20 mil espécies durante o Inverno. Esta diversidade de aves tem atraído à Ria Formosa um crescendo de turistas em busca de turismo de natureza, de observação de aves, bem como de turismo náutico. Para além disso, temos também a pesca artesanal e os mariscadores de bivalves, que vivem da ria”.
Um concelho que tem no setor primário – agricultura e pesca – a sua raiz tem também nos mercados muita da sua história e isso, em todo o concelho de Olhão, é por demais evidente.

Uma história quase tão antiga como a própria cidade
A história dos mercados de Olhão remonta à época das feiras francas. Por essa altura, existiam dois mercados – o do peixe, edificado em 1866, e o dos Camponeses (ou dos Produtos do Campo), junto ao adro da igreja.
Em 1912, a autarquia da época decidiu avançar com a construção de um mercado que tivesse as duas valências, numa zona que era conhecida como a Praia dos Pescadores. Aqueles dois edifícios, que servem hoje o mercado, começaram então a ser construídos, com base em técnica de estacaria, o que levou o sítio a ser conhecido de “bate-estacas”, tal era o ruído que produzia essa máquina. Com cerca de 1500 metros quadrados cada um, estes armazéns estão assentes em 44 estacas, ligadas entre si através de arcos de alvenaria de tijolo ‘burro’. Estes edifícios são, até hoje, um exemplo perfeito da construção que se realizava na época do ferro e do vidro e existem mesmo relatos que afirmam que aprendizes de Gustave Eiffel se envolveram nestas construções.
Além destas características construtivas únicas, cada mercado está ainda dotado de quatro torreões, o que lhe confere uma nobreza característica.

O coração da cidade
Ir aos mercados é entrar no coração de Olhão. A nossa equipa teve a oportunidade de visitar todos os mercados, num sábado – dia por excelência de grande azáfama – e ouvir a experiência e os problemas de alguns operadores.
Mal se entra no mercado de Olhão, sente-se o pulsar da vida citadina. É ali que os restaurantes de toda a Avenida 5 de Outubro se abastecem, de hortícolas, peixe e carne e, por isso, é ali que podemos encontrar a maior variedade de produtos tipicamente regionais. Uma das bancas mais coloridas e diferentes pertence a Cidália Graça, de 56 anos, que há quase 30 anos vende naquele espaço: “Tenho bolos de alfarroba, de figo, mel algarvio, bolos de amêndoa, estrelas de figo, figos cheios… Uma variedade de bolos tradicionais, quase todos feitos por mim”. A alegria com que fala dos seus produtos é a mesma que tem quando se refere ao ‘seu’ mercado: “Já visitei outros mercados, mas este é o melhor. Este é o melhor mercado do Algarve”.
Bonifácia Santos, de 73 anos, já vende frutas e hortícolas no mercado de Olhão há perto de 40 anos e reconhece que os mercados já contaram com mais público: “O negócio está fraco e eu vejo essencialmente um motivo para isso – a falta de estacionamento”. Mulher trabalhadora, é a própria que traz a sua carrinha até ao mercado e a queixa traduz-se em pouco tempo para poder descarregar os produtos.
Este é um problema que Eduardo Cruz reconhece e no qual está a trabalhar. Olhanense e apaixonado pela terra, pelas gentes e a cultura da sua cidade, tomou posse em novembro de 2017 como presidente do Conselho de Administração da empresa municipal Mercados de Olhão, em regime de pro bono e, desde então, tem-se dedicado à realização e cumprimento do projeto que apresentou para a gestão dos mercados que estão sob a responsabilidade desta empresa municipal – Fuseta, Moncarapacho e Olhão: “Este plano de gestão passa por dois objetivos principais – Cuidar e Manter. Tivemos desde sempre um grande apoio do acionista único da Mercados de Olhão, o Dr. António Pina, enquanto presidente da Câmara Municipal e, desta forma, temos conseguido desenvolver o nosso plano”.
Uma vez que está em causa dinheiro público, Eduardo Cruz esclarece que a gestão é feita da mesma forma que se gere uma empresa privada: “Traçamos um Plano Estratégico, garantimos que temos Financiamento, passamos à fase de Execução e, finalmente, procedemos ao Controlo do executado. É importante que assim seja, porque o dinheiro de todos não pode ser esbanjado.
O estacionamento na Avenida 5 de Outubro, onde se situam os mercados de Olhão, é um problema cuja solução é difícil, porque, como explica Eduardo Cruz, há que conjugar as pessoas e a sua liberdade de usufruir da cidade e daquele ex-líbris com a necessidade económico-financeira dos operadores que trabalham no mercado e que garantem o seu funcionamento.
Porém, outras questões há de mais fácil resolução, nas quais os comerciantes têm colaborado e se mostram mesmo entusiasmados com a mudança: “Os mercados atravessaram tempos de maior pujança económica e outros em que a sua importância diminuiu e, em simultâneo, as dinâmicas sociais das cidades também se alteravam. Os mercados da Fuseta e de Moncarapacho atravessaram períodos em que estiveram em autogestão e os mercados de Olhão eram também muito pouco controlados. O que começámos por fazer foi impor novamente regras, sobretudo no que respeita à defesa da saúde pública e à própria dignificação da profissão de comerciante. De início, sentimos alguma resistência por parte dos operadores, mas agora já perceberam que estamos sempre disponíveis para os ouvir, esclarecer as suas dúvidas e os seus problemas, e já reconhecem que o trabalho que tem sido feito é meritório e valoriza a estrutura em si”.
De entre as principais medidas aplicadas destacam-se as medidas de segurança alimentar e de higienização, nomeadamente a utilização de avental, no caso dos operadores do pescado, a importância do bom estado do gelo e da boa conservação do pescado nas bancas e o seu respetivo transporte, bem como a sua correta identificação para venda: “Além disso, temos uma equipa de fiscalização isenta, reconhecida pelos operadores e familiarizada com as normas e regulamentos que têm de ser cumpridos. Durante os primeiros seis meses de aplicação e controlo dos regulamentos internos, já existentes, procedemos com sentido pedagógico. Passado este prazo, as não conformidades ou infrações foram objeto de correção ou instauração de processos de contraordenação que deram lugar a sanções pecuniárias (multas). Essas não conformidades já reduziram em cerca de 70 por cento e a receita das multas é usada para ações de formação dos operadores dos mercados”.
O reconhecimento da validade e importância das medidas chega devagar, mas já existe. Ana Maria é peixeira há seis anos e reconhece a dificuldade de lidar com os comerciantes mais antigos do mercado. Por outro lado, considera de grande valor as regras aplicadas pela Mercados de Olhão: “Cada vez é mais difícil retermos os clientes, porque fogem para as grandes superfícies. Assim, qualquer que seja a valorização que possamos conseguir do nosso serviço, nomeadamente no que respeita à exigência que, hoje, o público procura, é muito bem-vinda”.
Os lojistas, cujos estabelecimentos estão virados para a ria Formosa ou para a avenida 5 de Outubro, também viram algumas regras alteradas, nomeadamente no que respeita à ocupação do espaço público por esplanadas: “Aplicámos a tabela, pela qual se regem, cujos valores diminuem 50 por cento na época baixa. Estes novos preços foram implementados no último trimestre do ano passado e, comparativamente com todo o ano de 2017, a receita de ocupação do espaço público aumentou em 47 por cento”, explica Eduardo Cruz. O espaço alocado às lojas dos mercados é essencialmente dedicado à restauração, sendo que quase todos os estabelecimentos primam pelas refeições leves, as tradicionais ‘tapas’: “Neste momento, o mercado é um elemento agregador e aglutinador de pessoas, sejam elas residentes – olhanenses e estrangeiros – ou turistas. É um espaço extremamente multicultural, onde todos se misturam e convivem com uma naturalidade impressionante. É um local de cultura tradicional, na sua essência”, relembra Eduardo Cruz.
Ainda há muito por fazer, mas o presidente do Conselho de Administração da Mercados de Olhão, olhanense puro, não desiste: “Ainda falta fazer muita coisa. Vital, a conquista do espaço para instalar uma área técnica, para separação dos resíduos, no exterior dos edifícios, como está regulamentado por Lei; requalificar os mercados de Olhão, recuperar telhado e paredes mestras do interior dos mercados da Fuseta e de reposicionar o mercado de Moncarapacho para produtos biológicos, requalificando todo o edifício, adequando às exigências fixadas na Lei. Temos também um projeto já em curso que visa a redução do plástico. Estamos a estudar uma forma de oferecer às pessoas sacos de papel, obviamente revestidos com uma película no seu interior – no caso dos peixes e da carne – para que possam transportar as suas compras e reduzir a pegada ecológica simultaneamente. Mas tudo isto leva tempo”.

“A Olhão nada foi dado, tudo foi conquistado”
Olhão é uma cidade que trabalha de si para si. A alma olhanense, batalhadora, pura e igualitária está presente nas ruas dos bairros antigos – Barreta e Levante – e na tipicidade dos jeitos e falares dos filhos da terra. É esta cultura, viva e intensa, que transforma Olhão num concelho e cidade muito ecléticos, onde cabem todos: “Marcamos a diferença através das Francisquíadas, da poesia a sul, das noites do Levante, da Feira do Livro, do mês da juventude com muitas centenas de atividades – Mostra-te, para além de mais de 150 espetáculos no nosso auditório e agora, entre 9 e 14 de agosto, teremos a 34ª edição do nosso Festival do Marisco, que honra o melhor que temos no marisco algarvio, acompanhado de espetáculos musicais de qualidade superior. Estão todos convidados!”, conclui o presidente da Câmara, António Pina.

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