José Farinha Nunes, um “homem tranquilo”

O percurso de vida do homem que liderou o Município da Sertã, ao longo dos últimos 12 anos, contado pelo próprio entre revelações e surpresas. 

O seu sonho de menino era ser piloto-aviador, porque o fascinava o modo como os aviões se equilibravam no ar. Não chegou a ver as nuvens de perto, mas o percurso ascensional, ao longo da vida, foi repleto de voos desconcertantes que o conduziram até ao cargo de presidente da Câmara Municipal da Sertã.

José Farinha Nunes, que se carateriza como um “homem tranquilo”, nasceu em berço humilde, na pequena aldeia da Passaria, freguesia e concelho da Sertã, em 1950. Dos tempos de catraio, recorda brincadeiras como os jogos do peão, da macaca e as corridas de saco, mas sobretudo, o momento em que aprendeu a andar de bicicleta: “Era num caminho muito estreito, cheio de silvas à volta. Tínhamos obrigatoriamente que nos equilibrar, sob pena de nos arranharmos todos”.

As primeiras letras e números, aprendeu-os na escola da Passaria. A avó teve um papel fundamental no facto de ter ido estudar: “A minha avó era uma pessoa que não sabia ler nem escrever, mas foi das pessoas que me aconselhou melhor durante a vida e me obrigou a ir estudar”.

O seu pequeno mundo gravitava entre a Passaria e a vila da Sertã, onde ia com frequência não apenas para as aulas, mas também para assistir às celebrações religiosas ou para acompanhar os pais ao mercado. O percurso de ida e volta, de quase 15 quilómetros, era feito a pé, embora obedecesse a certos rituais, como o da troca de sapatos. Palavra a José Farinha Nunes: “As pessoas traziam um par de sapatos calçados e para evitar que rompessem os sapatos melhores que tinham para vir à Sertã, traziam os sapatos melhores até à Portela dentro de um saco e depois tiravam os sapatos que traziam e mudavam ali para os melhores. À volta faziam o inverso”.

A vida trocou-lhe então as voltas. Não continuou a estudar, porque “os pais não tinham condições para isso”, mas resolveu tirar um curso de Datilografia e Estenografia, em Tomar, voluntariando-se depois para trabalhar no Serviço de Finanças da Sertã. Lá esteve três meses a mostrar o que valia e, findo esse período, foi falar com o diretor a Castelo Branco e pedir-lhe para ingressar nos quadros. No dia 1 de março de 1969, apresentou-se ao serviço e lá continuou até se aposentar em 2003.

A experiência na repartição foi interrompida durante alguns anos, devido ao serviço militar. As peripécias no serviço dariam para encher as páginas de um livro. Cumpriu a recruta em Santarém e continuou mais alguns meses por lá, no mesmo quartel de onde sairia a coluna militar liderada por Salgueiro Maia que deu início ao golpe da madrugada do dia 25 de abril de 1974: “Eu conhecia os capitães praticamente todos, porque tinha estado em Santarém”, lembra.

Em Santarém, a Escola Prática de Cavalaria propôs-lhe trabalho ao invés da mobilização para a guerra: “Propuseram-me a desmobilização para eu ficar lá a fazer a ordem de serviço”. Não aceitou e rumou a Angola, onde as estórias também abundam: “Angola foi uma experiência interessante.

Propus organizar uma escola de adultos, porque havia lá muitos cabo-verdianos – metade da companhia era cabo-verdiana –, que não sabiam ler nem escrever e que precisavam do exame da quarta classe para, por exemplo, tirar a carta de condução. Organizei a escola, primeiro no leste de Angola, e depois em Cachito, a uns 50 quilómetros de Luanda, para onde fomos enviados. Lá havia uma escola primária. Falei com a professora para que os alunos de Cabo Verde pudessem fazer o exame da quarta classe. Combinámos o dia e todos fizeram o exame e ficaram aprovados. Foi a experiência que me marcou mais”. Quando se dá o 25 de abril de 1974, ainda estava mobilizado em Angola e fazia planos para permanecer no país. O destino assim não quis e retornou a Portugal, onde ainda equacionou a hipótese de ficar a trabalhar num banco em Lisboa.

O apelo da Sertã foi mais forte: “Prefiro viver na Sertã. Não há dúvida nenhuma. Tem ar puro, água de qualidade, pessoas excelentes”, sentencia.

Casou alguns anos depois e teve dois filhos. Era agora um homem de rotinas entre a sua casa na Sertã e a Repartição de Finanças, então situada no edifício dos Paços do Concelho.

Na década de 1980, o apelo da política surge pela mão do amigo Ângelo Pedro Farinha, na altura presidente da Câmara da Sertã. Filia-se no PSD, embora não se envolva muito nos primeiros tempos. A entrada na política ativa acontece mais tarde por intermédio de outro histórico dos sociais-democratas locais, Álvaro Aires. É convidado para a Assembleia Municipal, sendo eleito deputado e nomeado secretário daquele órgão. Quatro anos mais tarde, em 2001, sobe um degrau e surge como cabeça de lista do PSD à Assembleia Municipal. Conquista a vitória numas eleições, onde o PSD perde a Câmara pela primeira vez desde 1975.

Rapidamente apercebe-se da espinhosa missão que terá pela frente: “Não foi um tempo fácil. Teve que se fazer muita ginástica. Foi dos piores tempos que conheci em termos políticos, no entanto tudo se conseguiu ultrapassar”, precisou José Farinha Nunes. Em 2005, foi desafiado para a Câmara Municipal, mas não aceitou. Avançou quatro anos depois, com a perfeita noção do risco que estava a assumir e com a missão de tirar o PS do poder. Acreditou sempre na vitória, que acabou por lhe sorrir. Empossado como presidente começa o seu percurso, acompanhado por “uma equipa sólida e de qualidade reconhecida”. 

É reeleito em mais duas noites eleitorais e cumpre agora o 12.º e último ano do seu mandato, igualando o recorde de dois antigos autarcas sertaginenses que, nos tempos da ‘outra senhora’ estiveram igual número de anos no poder. Olhando em retrospetiva, diz que ser presidente de Câmara requer um apurado “espírito de missão” e que “quem quiser levar isto muito a sério, tem que se ocupar e dedicar-se, inclusive até aos fins-de-semana. E quem não tiver esse espírito não vale a pena vir”. Quando questionados sobre os principais marcos destes três mandatos prefere não realçar nenhuma obra ou projeto. No entanto e relativamente aos momentos difíceis não hesita em lembrar os “terríveis incêndios” e o acidente com o autocarro no IC8. Agora que se prepara para abandonar o cargo de presidente da Câmara, não podendo recandidatar-se devido à limitação de mandatos, diz que sai “uma pessoa diferente”, com “muita experiência, muita informação e, portanto, conhecedor dos problemas que existem não só no concelho da Sertã, mas no país. Isso é enriquecedor”.

You may also like...