Inovação na investigação clínica com nanobodies

A hematologia e o tratamento das doenças raras hematológicas representam, atualmente, grandes desafios em termos de opções terapêuticas.

A Sanofi, dentro da sua Unidade de Cuidados Especializadas, tem uma nova área dedicada às Doenças Raras Hematológicas. Esta nova franchise tem um vasto pipeline de potenciais novos tratamentos para responder a necessidades médicas não satisfeitas ou onde existem poucas opções terapêuticas para o tratamento de doentes na área da hematologia, como a doença da aglutinina fria, doença das células falciformes, beta-talassemia e hemofilia.

Com as aquisições da Bioverativ e Ablynx e com os próprios programas internos, há a oportunidade de aliar o legado de uma abordagem centrada no doente ao compromisso com a inovação e uma investigação clínica de ponta, para fazer a diferença na vida das pessoas em todo o mundo.

Uma das curiosidades sobre a Ablynx é que nos primeiros tempos foi criado um polo de desenvolvimento em Portugal, localizado na cidade do Porto. Entretanto esse polo fechou, mas alguns dos cientistas portugueses que aí trabalhavam mudaram-se para a sede da Ablynx em Ghent; alguns ainda hoje lá trabalham.

Trabalho esse que foi recentemente premiado pela Sociedade Britânica de Farmacologia, que reconheceu como pioneiro o desenvolvimento pré-clínico e clínico do primeiro nanobody a ser aprovado na Europa e nos Estados Unidos e que foi simultaneamente o primeiro tratamento aprovado para a Púrpura trombocitopénica trombótica adquirida (PTTa).

É sobre este primeiro tratamento para a PTTa que nos vai falar Rui de Passos Sousa, Head of Global Medical da PTT na Sanofi.

 

Rui de Passos Sousa, Head of Global Medical PTTa

 Quais são, concretamente, as suas funções e responsabilidades na Sanofi?

Sou o responsável médico global de uma área terapêutica específica, a da Púrpura Trombocitopénica Trombótica adquirida (PTTa), que se encontra englobada dentro de uma unidade mais vasta que foi recentemente criada, que é a das Doenças Raras Hematológicas. Enquanto responsável médico global, as minhas funções englobam, entre outras, o desenho de estudos de investigação, a interpretação, a análise e a publicação dos nossos dados científicos, com particular destaque para a informação obtida através de ensaios clínicos e estudos observacionais, a discussão ativa com a comunidade científica na busca permanente pela melhor evidência, a gestão dos programas de acesso precoce ao medicamento e a implementação de projetos de educação médica que contribuam para uma otimização do diagnóstico, do tratamento e da monitorização dos doentes.

 

As Doenças Raras Hematológicas são um novo core business da Sanofi. Na sua opinião, qual a génese desta área num contexto global?

A Sanofi tem um foco muito particular no desenvolvimento de soluções terapêuticas em áreas onde exista uma reconhecida e importante necessidade de tratamento. Nesse sentido e no seguimento da aquisição da Bioverativ e da Ablynx, a Sanofi teve a oportunidade de aplicar o seu legado, de uma abordagem centrada no doente, ao compromisso com a inovação e a investigação clínica rigorosa para fazer uma diferença relevante na vida das pessoas atingidas por doenças hematológicas raras. Dentro desta recém-criada unidade, além de termos já lançado o primeiro tratamento para a PTTa, uma doença potencialmente fatal, estamos focados no desenvolvimento de tratamentos efetivos para outras doenças hematológicas igualmente raras e para as quais as soluções terapêuticas são inexistentes ou não completamente satisfatórias, como sejam a doença da aglutinina fria, a doença das células falciformes, ou a beta-talassemia. Dentro desta área das Doenças Raras Hematológicas, dispomos ainda de tratamentos para a hemofilia, área onde temos um vasto pipeline de potenciais novos tratamentos.

 

No final de 2019, a Sanofi foi reconhecida pelos britânicos da Sociedade Farmacológica com o prémio “Drug Discovery of the Year 2020”, atribuído a um tratamento pioneiro para um distúrbio da coagulação sanguínea com nanobodies. O que é um nanobody?

Foi com grande satisfação que a Sanofi recebeu esta importante distinção da Sociedade Britânica de Farmacologia, que reconheceu como pioneiro o desenvolvimento pré-clínico e clínico do primeiro nanobody a ser aprovado na Europa e nos Estados Unidos e que foi simultaneamente o primeiro tratamento aprovado para a PTTa. A tecnologia dos nanobodies foi originalmente identificada no seguimento da descoberta que os Camelidae (nomeadamente camelos e lamas) possuem anticorpos completamente funcionais que são compostos apenas por cadeias pesadas, contrariamente aos anticorpos convencionais que possuem cadeias pesadas e leves. Do isolamento dos domínios variáveis destes anticorpos de cadeias pesadas, surgem então os nanobodies que, devido ao seu pequeno tamanho e à sua estrutura única, tornam-se nos blocos básicos ideais para a criação de novas potenciais terapêuticas biológicas, altamente específicas para o seu alvo ou alvos definidos, por serem pequenos, robustos e facilmente adaptáveis.

 

Portugal está ligado, de alguma forma, ao “nascimento” destes nanobodies. Pode, por favor, partilhar com os nossos leitores como?

A tecnologia dos nanobodies foi inicialmente descoberta em 1989 na Universidade Livre de Bruxelas e desenvolvida posteriormente numa parceira com o Instituto Flamengo de Biotecnologia (IFB). A Ablynx surge como uma spin-off do IFB, focada quase em exclusivo no desenvolvimento pré-clínico e clínico dos nanobodies, com o intuito último de desenvolver novos medicamentos. Nos primeiros tempos da Ablynx, foi criado um polo de desenvolvimento em Portugal, localizado na cidade do Porto. Entretanto esse polo fechou, mas alguns dos cientistas portugueses que aqui trabalhavam mudaram-se para a sede da Ablynx em Ghent; alguns ainda hoje lá trabalham, fazendo agora parte da Sanofi após esta empresa ter adquirido a Ablynx.

 

Qual a aplicabilidade prática destes nanobodies?

A Sanofi utiliza atualmente a tecnologia dos nanobodies, entre outras plataformas de desenvolvimento, com a finalidade de desenvolver novas terapias biológicas, que possam fazer uma diferença relevante na vida das pessoas atingidas por doenças para as quais não existem medicamentos com respostas terapêuticas satisfatórias. Ainda que apresentem características diferenciadoras potenciais em relação a outras terapias biológicas convencionais, só uns rigorosos processos pré-clínico e clínico de desenvolvimento podem transformar um potencial nanobody num novo medicamento, cumpridas todas as etapas de um processo altamente regulamentado, interna e externamente, que visa assegurar, em primeiro lugar, a segurança dos doentes. Até ao momento, esta plataforma tecnológica dos nanobodies já deu origem ao primeiro medicamento para a PTTa, atualmente aprovado pela Agência Europeia do Medicamento e pela Administração de Alimentos e Medicamentos Americana (FDA), além de outras agências regulamentares, como a da Suíça, a do Canadá e a da Austrália.

 

A Purpura Trombocitopénica Trombótica adquirida é uma doença muito pouco conhecida. Na qualidade de médico, pode-nos explicar em traços gerais que doença é?

A Púrpura Trombocitopénica Trombótica adquirida (PTTa) é uma doença hematológica autoimune rara, potencialmente fatal. Na génese desta doença está o desenvolvimento de auto-anticorpos contra uma enzima, designada por ADAMTS13, que tem como função clivar uma proteína essencial no processo primário da coagulação, chamado fator de von Willebrand (FvW). Sempre que necessário, em caso de uma hemorragia, o FvW consegue iniciar um tampão hemostático, ao recrutar plaquetas para onde são necessárias. Em condições normais, o FvW que é produzido e libertado para a circulação é imediatamente clivado em pequenas unidades funcionais, pela ação da enzima ADAMTS13. Na PTTa, como a ADAMTS13 não está a funcionar devidamente pela existência de auto-anticorpos contra ela, o FvW mantém um tamanho anormalmente elevado, o que lhe confere a capacidade indesejada de aderir espontaneamente a plaquetas, originando a formação disseminada de trombos nos pequenos vasos sanguíneos de todo corpo. Secundariamente, além de uma muito baixa contagem plaquetária por consumo generalizado das plaquetas nesses trombos, observa-se uma restrição do fluxo sanguíneo, anemia causada pela destruição dos glóbulos vermelhos e, como consequência final, uma disfunção multiorgânica. Esta doença é uma emergência médica pois, sem o diagnóstico atempado e a instituição imediata de tratamento, 90 % dos doentes acabam por morrer.

 

Pela sua descrição, é uma doença muito grave e com características muito especificas. É fácil de diagnosticar?

Como em quase todas as doenças, o diagnóstico é primariamente clínico, baseado na identificação de um doente que se apresenta geralmente com um quadro súbito de mal-estar e cansaço, muitas vezes semelhante a um quadro viral, mas no qual se observa uma baixa de plaquetas moderada a grave, associada a uma baixa de glóbulos vermelhos causada por uma aceleração da sua destruição, sem que existam outras doenças subjacentes que o possam explicar. Os doentes podem também apresentar alguns sinais e sintomas que revelam a disfunção de órgãos frequentemente atingidos nesta doença, como sejam dores de cabeça ou outras manifestações neurológicas, e dor torácica ou abdominal. Para que se possa fazer um diagnóstico diferencial apropriado, existem alguns exames laboratoriais importantes, como sejam a determinação da atividade da enzima ADAMTS13.

 

Como doença rara que é, em Portugal quantos doentes existem com esta patologia?

Não existem dados epidemiológicos específicos para a realidade portuguesa, mas estima-se, tendo por base os estudos epidemiológicos efetuados noutros países europeus e nos Estados Unidos, que existam três a seis episódios agudos de doença, por ano e por cada milhão de habitantes. Assim, são de esperar cerca de 30 a 60 episódios de PTTa, por ano, em Portugal. É importante notar que isto não significa que existam 30 a 60 novos doentes, por ano, uma vez que esta é uma doença na qual após um primeiro episódio existe um risco de recorrência da doença, que pode acontecer pouco tempo ou vários anos após o primeiro episódio.

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