Impacto da pandemia na forma como olhamos para as nossas casas

Os dados ainda são algo difusos para daí se retirarem condições definitivas. De acordo com Alda Azevedo, investigadora no ICS (Instituto de Ciências Sociais) da Universidade de Lisboa em declarações ao Expresso reproduzidas pelo Postal, é possível que tenha havido uma alterações nas preferências habitacionais das casas a partir da experiência vivida no Grande Confinamento resultado da pandemia da COVID-19. Contudo, ainda é cedo para se concluir com certeza até que ponto essa alteração passará a ter carácter permanente.

A demógrafa refere ao Expresso que “neste momento, ainda não sabemos se estes efeitos vão perdurar no tempo ou se vão, pelo contrário, desvanecer-se”. Isto é, se estamos perante tendências efetivamente alteradas, ou se estamos apenas a viver padrões específico deste período crítico. Uma das chaves da questão será o futuro do teletrabalho, segundo aponta a investigadora na área da habitação e população. “Será determinante para a reavaliação que temos estado a fazer no último ano e meio sobre o que preferimos, por exemplo, em termos de espaços disponíveis na habitação e as funções e características desses espaços, e do próprio mobiliário e equipamentos.”

Das cozinhas aos espaços exteriores: o que mudou na nossa casa

É claro que o senso comum, baseado na experiência empírica do dia a dia, diz-nos que essa mudança de perceção existiu de facto. Até porque, naturalmente, as nossas casas revelaram-se demasiado pequenas para nós em tempo de pandemia. Neste contexto, a conversão de espaços de lazer em espaços de trabalho foi um dos grandes desafios – tendo implicado mudar móveis, mas também dinâmicas lá por casa. Essas alterações tiveram de ser feitas. Vimos também, por exemplo, as cozinhas abrirem-se para casa como polo de novas dinâmicas familiares. Fabricantes de cozinhas em Lisboa como a Leiken já trabalhavam nessas propostas há algum tempo, mas a tendência foi acentuada durante a pandemia da Covid-19.

A necessidade por espaços exteriores parece ser outras das evidências do senso comum que podemos retirar do período do Grande Confinamento que passámos fechados em casa. Verdade seja dita: quem é que não sonhou com terraços e varandas enquanto esteve fechado em casa durante semanas a fio?

Citado pelo mesmo artigo, Nuno Sampaio, arquiteto e diretor executivo da Casa da Arquitectura, em Matosinhos refere “há novos empreendimentos em fase de projeto que já têm varandas com a mesma área da sala, em que a varanda é quase como uma extensão da área interior da sala”, salientando também que, futuramente e em virtude desta experiência coletiva, as coberturas dos edifícios podem passar a ser usadas como espaços de lazer, tal como as zonas comuns no rés-do-chão dos edifícios.

Apesar disso ser um desafio a nível de área de construção – particularmente em cidades com pouca área disponível como Lisboa e Porto – tender-se-á a aceitar mais a construção em altura, o que possibilitará libertar espaço de superfície e a existência desses espaços exteriores. Para além dessas zonas, as funções dos espaços na casa estão também em equação, porque os quartos estão agora a ser vistos como áreas que também podem ser de estudo e trabalho – e não apenas de descanso – o que implica, logicamente, mais espaço.

Já a arquiteta e designer de interiores Filipa Namora refere no mesmo artigo que o olhar dos clientes mudou. Está, diz, “mais atento”, com uma preocupação com os espaços verdes e exteriores “muito maior”. “Já não há tanto aquela coisa de ter um escritório que é muito bonito, mas pode não ser útil. As pessoas olham para este espaço e já sabem de quantas gavetas e secretárias vão precisar. Pensam o ambiente em função da utilidade. A nível de decoração, tanto as cores, mobiliário, objetos e materiais querem-se cada vez mais “naturais”.

Relativamente aos hábitos de vivência das casas e dos bairros, Alda Azevedo fala das relações de vizinhança que se estabeleceram. “Começámos a viver mais à escala do bairro. Adquirimos novos hábitos, como os passeios higiénicos, que levaram a uma aproximação ao bairro, até porque também havia restrições de circulação. Esta aproximação permitiu-nos conhecer espaços públicos que não conhecíamos e valorizar o comércio local.” Mais uma vez, a investigadora refere que esses hábitos podem tornar-se permanentes e que “nesse sentido, dificilmente as coisas vão voltar a ser como eram.”

Que as coisas dificilmente voltarão a ser como eram parece ser uma das grandes certezas deste incerto período pós-pandemia. Tal como quase tudo na nossa vida, as nossas casas e a forma de as viver, terão de ser reinventadas.

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