Galeana: O Templo do Toiro Bravo

Onde Portugal termina e Espanha começa, encontramos um local mágico, único, com belas paisagens a perder de vista. Aqui na Galeana, onde pasta a Ganadaria Murteira Grave tomamos contacto com a vida privada do toiro bravo. Pelas palavras do ganadeiro Joaquim Grave percebemos a essência do toiro, a importância do taurismo e a emoção genuína dos turistas que valorizam este verdadeiro templo. Um mundo admirável, que a Galeana nos leva a desbravar.
O Taurismo é um projeto inovador em Portugal. Como nos descreve esta experiência.
O toiro bravo é um animal singular, ímpar, com umas características absolutamente extraordinárias. Será das poucas raças no mundo em que a sua selecção foca sobretudo aspectos de comportamento, anímicos, sendo os aspectos morfológicos secundários. Durante os últimos três séculos o homem tem trabalhado a sua agressividade natural, para a transformar naquilo que hoje conhecemos e definimos como bravura, que assenta em qualidades tão eternas e indiscutíveis como são a coragem, a nobreza e, naturalmente, a força física para poder expressá-las. Não seriam estas as qualidades dos Cavaleiros verdadeiros heróis da idade média!?
Tendo a noção que a esmagadora maioria da sociedade desconhece a vida do toiro bravo no campo, a sua vida privada que dura entre quatro a cinco anos, considerei importante e fundamental para uma melhor compreensão daquilo que se passa numa arena durante vinte minutos e que chamo a vida pública do toiro bravo, abrir as portas da minha casa a todas as pessoas que sintam curiosidade em compreender melhor que animal é este. Só se ama o que se conhece.
O vocábulo Taurismo é o resultado de Toiro + Turismo. É uma aposta a todos os níveis fascinante! Na herdade de Galeana, os visitantes podem ter o privilégio raro e emocionante de apreciar o toiro bravo em toda a sua plenitude e no seu habitat natural. É este o prazer que pretendemos proporcionar a todos os que nos queiram visitar. Em Galeana observamos de perto a maneira majestosa como se movimentam, como vivem, como lutam entre si. Tudo isto me dá um enorme prazer, mais ainda quando sinto como se emocionam os que partilham a Galeana comigo. No final serve-se um belo almoço num local emblemático da ganadaria onde, tranquilamente, se prolongam animadas tertúlias.
Bravura e nobreza são as principais qualidades que podemos encontrar no toiro bravo?
As características que procuro selecionar no toiro são, em duas palavras, bravura e nobreza; mas estes conceitos, ao serem subjectivos, podem variar muito de criador para criador. Para mim, bravura não tem tanto a ver com temperamento, mas sim com entrega. Entrega apaixonada no combate que o toiro trava durante uma lide na arena. Deve investir com transmissão para que provoque emoção nas bancadas.
Para mim, a Festa dos Toiros é mais uma festa de emoções do que de perfeições.
Nobreza é a retitude no ataque, a prontidão na investida, o galope franco para o adversário. O toiro deve dar tudo quando o desafiam na arena. Deve manifestar toda a sua animalidade, é um combatente por natureza, um profissional da luta.
O modo de criação influencia a seleção do toiro?
Existem dois aspectos na criação do toiro bravo. Um tem a ver com a produção do toiro, a sua criação propriamente dita, que reclama conhecimentos zootécnicos, de produção animal ou se quiser conhecimentos veterinários. Outro aspecto, é a sua selecção para a qual não existe nenhum curso específico, mas que pede uma sensibilidade especial. A selecção do toiro bravo baseia-se em aspectos anímicos ou psíquicos e, portanto, não quantificáveis. Para selecionar bravura não existe nenhum “bravómetro”. Trata-se de uma apreciação subjectiva, é um conceito qualitativo e não quantitativo.
Resumindo, a criação, a produção tem a ver com a “carroçaria” e a selecção tem a ver com o “motor” (comportamento). Há ganaderos que criam bem os seus toiros mas os seleccionam mal, outros que os seleccionam bem mas os criam mal. E há, felizmente, os que sabem criar e selecionar bem os seus toiros. Em Galeana trabalho arduamente para fazer parte deste último grupo.
O toiro bravo deve possuir as qualidades de um atleta de alta competição. Aqui surge um paradoxo, uma vez que o toiro deve apresentar-se gordo na arena, empresários e público assim o exigem. A lide contemporânea é muito exigente do ponto de vista físico. Como ruminante que é, não faz parte das espécies corredoras, daí que não esteja preparado nem anatómica, nem fisiologicamente para suportar esforços físicos continuados e prolongados como é uma lide de vinte minutos. O consumo de glucose é bastante mais rápido que a sua reposição para níveis basais, o que provoca um défice de energia só compensado pelo milagre da bravura. Faço correr os toiros três vezes por semana durante oito a dez minutos; desta forma dou-lhes preparação física para aguentarem melhor a lide. É a bravura do toiro alicerçada numa boa preparação que faz com que o animal continue o combate até ao final da lide; um autêntico milagre zootécnico.
Aliás toda a ética da corrida repousa sobre a ideia de bravura e a sua legitimidade intelectual deve ser analisada sobre uma resposta simples a uma simples questão: o que é o toiro? O toiro de lide, o toiro bravo, não é um animal doméstico, nem um animal selvagem, é um ser essencialmente bravo. Ele põe o valor intrínseco do seu combate acima do seu próprio sofrimento e é isso mesmo que o define como bravo. O toureiro trata o toiro de lide de acordo à sua própria natureza, isto é, conforme a sua natureza de animal que luta. A ética tauromáquica é a seguinte: respeita-se a própria natureza do toiro combatendo-o, pois é um animal de combate. É uma espécie de ética aristotélica. Com efeito, o seu princípio diz: para cada ser, o seu bem supremo não é (pode não ser), simplesmente um estado passivo (o prazer em face à ausência de dor). O bem-estar supremo pode residir numa actividade pela qual cada ser actualiza as suas potencialidades, pela qual realiza activamente a sua própria essência. É exactamente o que faz o toiro; sendo um ser por natureza bravo, ele realiza o seu grande bem lutando, ele realiza a sua natureza de lutador na luta, e ele realiza-se plenamente a ele próprio na corrida e pela corrida.
Antes de seguir para a arena, o toiro está tranquilo no campo e aí ele é apenas potencialmente bravo. Aristóteles deixou-nos dito que o bem estar supremo ao qual pode aspirar um ser, consiste em actualizar tudo aquilo que é em potência, isto é, efectuar a sua própria natureza realizando as suas possibilidades todas. O que um ser há-de ser é, simplesmente, o que ele é em potência. Então na arena, a bravura actualiza-se, transforma-se nos actos que lhe são próprios: acometividade reiterada sobre o seu objectivo, arrancada sistemática contra todos os oponentes; e estes actos são os que pautam a bravura. A bravura, se no campo era passiva, na arena torna-se activa. A bravura é portanto a natureza do toiro de lide e a corrida de toiros faz-nos entender que Aristóteles tinha razão: o maior bem para um ser consiste em poder expressar a sua própria natureza e realizar tudo aquilo que potencialmente é.
O orgulho de animal livre é o que me encanta admirar no campo, porque, para um animal bravo, uma vida de acordo com o seu carácter rebelde, insubmisso, indócil e indomável, tem que ser uma vida livre e não uma vida encurralada num espaço exíguo como vivem os outros bovinos de carne.
A Galeana é procurada maioritariamente por estrangeiros. Como observa este facto?
As visitas a Galeana iniciaram-se há bastante tempo, mas só depois de a página web estar online tomaram uma dimensão mais próxima do que idealizei. A grande maioria dos visitantes são estrangeiros sobretudo franceses (90%). Os franceses são um povo que procura o autêntico e que valoriza bem a cultura de cada canto da Europa. É gratificante ver a satisfação genuína e a emoção com que desfrutam da herdade da Galeana promovendo-a ao verdadeiro Templo do Toiro Bravo.
Paulatinamente, o publico português está a aderir cada vez mais a este projecto, o que me anima e renova a paixão de continuar a trabalhar.