Entrevista a Ana Pinho: “Temos que perceber o que chamamos de reabilitação”

Quem o afirma é Ana Pinho, Secretária de Estado da Habitação, em entrevista à Revista Business Portugal.

A reabilitação urbana tem crescido a olhos vistos em Portugal. Inicialmente, devido à crise que atravessou a construção civil e, atualmente, numa perspetiva de preservação do património e de fazer manter viva a história nacional.
A reabilitação urbana tem, de facto, crescido a nível nacional, mas não de forma simétrica. Esse crescimento tem sido muito mais substancial em algumas zonas do país, e menos em territórios do interior ou com dinâmica de mercado mais baixa. Com a crise da construção os valores da reabilitação subiram proporcionalmente face aos da construção nova, mas por comparação. No total, a reabilitação na altura da crise não estava a subir muito, mas como a construção nova baixou significativamente, a reabilitação apresentava uma subida em proporção. Não se verificou um significativo aumento do volume de obras nessa fase. Nos últimos anos, esse aumento no volume de obras existe. Não é simétrico, como já disse, e também temos que perceber o que chamamos de reabilitação. Porque em muitos casos mais não é do que substituição de edifícios antigos por edifícios novos com manutenção de fachada ou mesmo sem isso. Em parte desta reabilitação o principal motor não está na preservação do património, mas sim na rentabilização do solo e do património construído, o que não é mau por si, desde que sejam acautelados os necessários valores de segurança, salubridade das pessoas, preservação do património cultural.

Em relação a janeiro de 2018, verificou-se um aumento da atividade de 27.2 por cento, até porque as licenças para construção e reabilitação de habitações aumenttaram 40.2 por cento em 2018, face a 2017, atingindo o máximo dese 2010. Como se justificam estes valores?
Exatamente pelo maior dinamismo do mercado. Pelo aumento da procura, não só para habitação, mas para outros usos, que tem levado a que haja uma atração para investimento em imobiliário. A baixa taxa de juro é outro elemento que reforça o interesse de investir no imobiliário. Por isso: aumento da procura para habitação, aumento da procura para outros fins e o investimento no imobiliário sendo visto como um investimento que traz retorno superior a outras alternativas tem feito crescer a atividade em reabilitação urbana.

O turismo tem, sem sombra de dúvida, uma forte influência nesta aposta da reabilitação, concorda?
Exatamente por isso é que a dinâmica da reabilitação é assimétrica. O turismo representa um aumento da procura, que compete em algumas situações pelos espaços até da própria habitação. Por exemplo, nos casos em que alojamento local pode ser desenvolvido em habitação, o turismo é um dos fatores que está por trás deste aumento da atividade.

Neste seguimento, torna-se inevitável esta questão: os interesses do imobiliário ao não baixar as rendas das habitações são uma consequência? Como avalia esta questão?
Sempre que há um aumento da procura, não existindo um aumento da oferta paralelo, isto leva a aumento de preços. É indubitável que todo o efeito que haja de aumento da procura vai ter uma consequência na subida de preços. Por essa razão achamos tão importante empreender fortes medidas no sentido de aumentar a oferta habitacional a custos acessíveis, em particular no sector do arrendamento. Isto não só por via dos programas de apoio a promoção pública para habitação para arrendamento a custo acessível, como no incentivo à atividade privada. E aqui temos duas áreas que estamos a incentivar. Por um lado, o incentivo à colocação no mercado do que exista para este fim: arrendamento habitacional acessível mediante o programa de arrendamento acessível, que isenta de tributação de rendimentos todos os que decorram da inclusão neste programa. Mas também o apoio ao aumento do investimento para habitação a custos acessíveis, com a reformulação da portaria 500/97 e que veio permitir atualizar essa mesma portaria e permitir que se pudesse classificar tanto as obras de construção, como de reabilitação para venda e arredamento a custos acessíveis, como habitação a custos controlados, dando-lhe acesso a uma taxa de IVA de seis por cento.

Como perspetiva o futuro da reabilitação urbana em Portugal?
É um dos pilares da missão da Nova Geração de Políticas de Habitação criar as condições para que a reabilitação, tanto de edifícios, como urbana, seja a forma de intervenção preponderante em Portugal. Ou seja, nós queremos continuar a apoiar a reabilitação, porque como disse, apesar de ela estar muito desenvolvida em muitas zonas do país, não está de forma igual em todo o território. E por outro lado, o que se faz noutras zonas do país, não está de acordo com o que consideraríamos ser a reabilitação mais adequada. E então estamos a trabalhar para que todas as condições fiquem criadas. Já temos incentivos financeiros à reabilitação. Temos o IFFRU 2020 que é um instrumento financeiro com um potencial de financiamento até 1.400 milhões de euros, e que financia obras de reabilitação que estejam de acordo com as estratégias municipais de reabilitação nas ARU (Áreas de Reabilitação Urbana). E temos o Reabilitar para Arrendar, que financia reabilitação para arrendamento acessível em qualquer parte do território nacional. Paralelamente criámos também outros incentivos fiscais: os benefícios fiscais em sede de Orçamento de Estado desde 2018 já são alargados a qualquer imóvel habitacional que tenha mais de 30 anos, esteja ou não localizado em ARU. Temos também taxa de IVA a seis por cento para habitação a custos controlados, que vem já cobrir a reabilitação com esta alteração da portaria. Neste momento, cobre a habitação nova e a reabilitação com os custos acessíveis para venda e para arrendamento. Para além de todos estes incentivos e depois de eles estarem no tereno, quisemos ainda atuar em outras áreas. Nas zonas de pressão urbanística já não se justifica que existam imóveis devolutos com os instrumentos que temos de incentivo à sua reabilitação e disponibilização no mercado. Por isso promovemos não só o agravamento significativo do IMI para imóveis devolutos em zonas de pressão urbanística, como reforçamos os meios de intervenção nos municípios nas obras coercivas. E por outro lado, achamos que se queremos que a reabilitação passe de exceção a regra, temos de começar a tratar a reabilitação dessa mesma forma: como regra. Hoje em dia a reabilitação é regida pelo regime excecional de reabilitação do edificado, que é um regime excecional e temporário. A forma de resolver muitas vezes o problema é na maioria dos casos de prescindir da aplicação das normas técnicas da construção, o que não do nosso ponto de vista não é a melhor abordagem. Queremos que a reabilitação seja regra e por isso temos que ter as normas técnicas adequadas à especificidade da reabilitação e torná-la, de facto exequível. Temos, por outro lado, de garantir que a reabilitação que fazemos é uma reabilitação que, tendo em conta as legítimas expetativas económicas e sociais sobre o património construído, não põe em causa a segurança e as condições mínimas de habitabilidade. E os valores tão importantes hoje em dia, não só da preservação do património como da sustentabilidade ambiental. Achamos que a reabilitação é um instrumento fulcral para um conjunto de objetivos de política muito alargados, que vão desde a política de habitação à regeneração urbana, revitalização das nossas cidades e do nosso território de forma alargada, sustentabilidade ambiental e preservação do património, entre outras.

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