Bonhams: “Trabalhem o melhor que as suas capacidades e as circunstâncias o permitirem”

Fundada em 1793 a Bonhams é uma das mais famosas leiloeiras do mundo. Filipa Andrade é a representante da Bonhams em Portugal, desde 2010, e foi com ela que estivemos à conversa para esta edição da Revista Business Portugal. Com um percurso profissional iniciado em Londres, Filipa Andrade confessa que o sucesso alcançado não resulta apenas de “mérito próprio”, mas também “fruto de colaboração com outras pessoas” sem as quais não seria possível alcançá-lo.

A Bonhams realiza leilões desde 1793, contando com uma história que vem sendo escrita há mais de dois séculos. Qual a fórmula por detrás do sucesso alcançado?
A Bonhams realiza leilões continuamente desde 1793, mas a empresa moderna data da viragem do século XXI, quando a Bonhams se fundiu com outra casa de leilões do Reino Unido, a Phillips. Desde então, a Bonhams tornou-se na empresa internacional que conhecemos hoje, abrindo salas de leilão em Nova Iorque, Los Angeles e Hong Kong – para além das suas duas salas de leilões em Londres e uma outra em Edimburgo – e estabelecendo escritórios em todo o mundo, incluindo em Lisboa. Conseguimos esta expansão por sermos muito flexíveis e agirmos rapidamente quando as oportunidades surgem, mas dependemos mais do que tudo do nosso capital humano – os nossos especialistas de departamento, as nossas equipas de apoio e os nossos representantes em todo o mundo, conhecidos por serem amigáveis e acessíveis. Temos 60 departamentos especializados, por isso podemos oferecer uma ampla variedade de vendas e a nossa presença internacional significa que podemos colocar itens à venda no local onde eles irão atrair mais interesse.

É a leiloeira mais antiga do mundo e conta no seu portefólio com uma ampla variedade de peças que são referência na joalharia, arte e cultura. De que forma é garantida a excelência das peças em leilão?
A maioria das peças que vendemos na Bonhams são provenientes de particulares. Em primeiro lugar, certificamo-nos de que o item não foi reportado como perdido ou roubado, assim sendo, realizamos verificações com o Art Loss Register no Reino Unido e bases de dados similares no exterior. A proveniência de uma peça – ou seja, o seu histórico de propriedade é importante e elementos, como os recibos de vendas, podem ser muito úteis para determinar quando e onde algo foi comprado. Também realizamos a nossa pesquisa, consultando – no caso de pinturas, por exemplo – o catálogo raisonné da obra do artista e apelando ao conhecimento de outros especialistas na área, nomeadamente os organismos de certificação internacional.

Em 2015, Portugal foi presenteado com a abertura de um escritório da Bonhams, mais concretamente em Lisboa. Quais as motivações inerentes a esta aposta?
A abertura do nosso escritório em Lisboa, em 2015, foi uma parte importante da nossa estratégia para estabelecer a marca Bonhams em toda a Europa. Portugal é, historicamente, uma força cultural importante e vibrante, e era natural que desejássemos abrir um escritório aqui.

De que forma é estabelecido o contacto entre o cliente e a Bonhams?
Um cliente interessado em avaliar uma peça de arte connosco desloca-se até ao nosso escritório em Belém. Há casos em que as pessoas vivem longe e, por isso, contactam-nos por telefone ou correio eletrónico. Agendamos uma avaliação com os nossos especialistas e depois o cliente decide se quer colocar a peça em leilão. Temos tido pessoas que nos aparecem para avaliar um relógio de pulso e dizem: “já agora tenho lá um quadro” e ainda “já agora podia avaliar a minha coleção inteira?”.

Os leilões on-line têm cada vez mais adeptos. Em 2016, a Bonhams realizou o primeiro leilão on-line de forma a expandir e melhorar a gama de serviços disponíveis aos seus clientes. Foi uma aposta ganha?
Estamos sempre à procura de formas de expandir e melhorar a gama de serviços que oferecemos aos nossos clientes e os leilões on-line são definitivamente uma parte cada vez mais importante do mix.

A Filipa de Andrade é atualmente a representante da Bonhams em Portugal. De que forma foi sendo traçado o seu percurso e em que momento assume este cargo?
Fui convidada para representar a Bonhams em 2010. O meu percurso começou na Universidade Nova de Lisboa e passou por Londres, onde estudei e trabalhei numa outra leiloeira. Regressando a Portugal, dei aulas na Universidade e passei pelo Centro Cultural de Belém e Fundação Oriente, onde estive 10 anos ligada à curadoria e constituição da coleção de arte.

É hoje um caso de sucesso e empreendedorismo feminino. Uma mulher líder, dentro e fora da Bonhams. Como consegue conciliar a exigente vida profissional com a pessoal?
Deixe-me começar por dizer que não me considero uma líder, mas sim alguém que presta um serviço. Ou, antes, alguém – que por acaso é mulher – que presta serviço em vários setores da sua vida, como de resto todos nós! É muito importante esta noção de serviço pois, infelizmente constato que no nosso País, uma cultura de serviço está muito aquém do que noutros. A palavra serviço é como que pejorativa, quando deveria ser o contrário. Veja, eu presto um serviço ao meu empregador. E não tem qualquer segredo – sou paga para isso e tenho de agradecer, por terem confiado em mim. Eu presto serviço aos nossos clientes, e mais uma vez, tenho de agradecer terem-no feito. Não faço mais do que a minha obrigação. Podiam ter escolhido outra empresa. Eu presto serviço à minha família. Este serviço é em várias frentes, evidentemente. Como mãe servimos sempre, mas mesmo quando estou a trabalhar, estou também a prestar serviço à minha família, pois através do meu trabalho eles podem ter melhores condições.
É sempre um desafio a conciliação da vida familiar com a profissional, mas considero que sou privilegiada e dou graças a Deus por isso. Consigo acompanhar os meus filhos, embora haja ocasiões em que gostaria de estar e não estou. Dou-lhe um exemplo: tenho uma filha com 9 anos e até hoje só me lembro de ir a uma reunião de início de ano escolar, e de faltar a cerimónias escolares. Fico triste, preferia estar lá do que em qualquer outro lado. São os sacrifícios da vida diária. Penso em tantas mulheres (e homens) que trabalham por turnos em serviços duríssimos para levar tão pouco para a família e coloco as coisas em perspetiva. E claro, espero que os meus filhos aprendam que a vida é assim, que virá a vez deles de terem de fazer esforços pelo trabalho e pela família.

Todos os dias, assistimos a histórias de sucesso de mulheres empreendedoras. Que conselhos gostaria de deixar a todas as mulheres que desejem entrar e fazer a diferença no mercado de trabalho?
Gostaria de dizer que o móbil não pode ser o ter sucesso ou ser líder. Se tal vier como consequência do seu desempenho, então ótimo. Mas o conselho é que trabalhem o melhor que as suas capacidades e as circunstâncias o permitirem, sem adotar uma postura de superioridade. Liga-se com a questão anterior do serviço. O nosso sucesso numa ou outra tarefa não é só mérito próprio. Não podemos cair no abismo do próprio ego. É fruto de trabalho, sacrifício e capacidades próprias, com certeza, mas também de circunstâncias, favoráveis, ou não, que encontramos. É fruto de colaboração com outras pessoas que trabalham connosco e que, apesar de não aparecerem, sem as quais não seria possível fazer o trabalho e o projeto com sucesso. Seria injusto não reconhecer isto. Infelizmente assisto por vezes a situações em que sabemos que houve um esforço coletivo muito grande para concretizar um projeto numa ou outra área, mas depois aparece alguém a monopolizar o sucesso do mesmo. É importante aí também esta noção de serviço e de humildade. Ninguém consegue nada sozinho.

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